Uma crônica, para se pensar.

'Eu e José andávamos no shopping, até que resolvemos sentar na praça de alimentação para conversar, eis que depois de muito papo eu vejo meu amigo olhando com o cenho franzido para um rapaz. O homem, negro, de cabelo enrolado e rosto humilde, estava muito bem vestido, acompanhado da família, simpático com a atendente, até lhe deu uma gorjeta.

Há algum problema? Perguntei, José torceu o nariz e fez cara de nojo, esse aí é o João, sujeito mais desonesto não há.

Naquele instante fiquei preocupado, o que haveria feito João de tão errado?

José logo me disse, esse rapaz sempre foi pobre, nasceu de lugar nenhum, praticamente na rua. Não tinha nada até pouco tempo, mas de repente conseguiu. Tem carro, casa e mulher bonita, foi o primeiro lá do bairro a viajar para o exterior, coisa que ninguém tinha, como pode esse sujeito que não tinha nada, ter de um dia para o outro tudo?

Confesso que também fiquei desconfiado, mas tinha jeito de honesto o tal João, perguntei o que fazia ele então.

Um bico aqui, um bico ali, respondeu meu amigo, mas aí começou a conseguir bons trabalhos, volta e meia tirava o serviço de amigos meus, deve ser macumba ou bruxaria, que outra coisa explicaria?

Talvez ele seja bom no que faz, insinuei, mas José ficou bravo. Olha lá o mulato, vivia de chinelo gastado e agora só anda de carrão!

José se despediu e foi embora frustrado, o que mais me magoou foi que pessoas da mesa ao lado ouviram o estardalhaço e ficaram encarando João. Este estava feliz, ria com suas crianças e a patroa, entretido com aquilo que tinha para si.

Esperei até que o rapaz estivesse sozinho e meio constrangido fui lhe perguntar, contei o que havia escutado e ele meio cabisbaixo deu de ombros e sorriu.

A gente também tem problemas lá em casa, as vezes a vida ajuda, as vezes atrapalha, mas nunca parei de lutar. Há quem diga que foi sorte, mas eu chamo de trabalho.

Despedi-me do homem sortudo, que antes não tinha nada e hoje tinha tudo, pensando comigo mesmo qual o motivo da frustração.

Há pouco ganhei um carro em um sorteio, não o mereci e José me parabenizou, outro amigo em comum, o Roberto, sempre dá um jeito de não pagar as multas de trânsito, tem um chegado lá no DETRAN, José o chama de esperto, safo, patrão.

Percebi que o problema não era o carro, as viagens ou a família linda que ele tinha. O problema era João e João era Corinthians.'