O palmeirense mais corinthiano do mundo não está mais aqui
Opinião de Roberto Gomes Zanin
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O nascimento do primeiro filho é a maior alegria que alguém pode sentir. Alegria que não se descreve. Se você já é pai ou mãe sabe do que estou falando. Se não é, só saberá o tamanho dessa emoção quando contemplar o rosto do seu bebê.
Pois bem. Há um certo tempo (prefiro não revelar quando), um jovem funcionário da extinta Metal Leve, vivenciou essa indizível sensação. Vontade de explodir, de rir, de chorar, de gritar. “Sou pai”, repetia para si mesmo.
Torcedor fanático do Palmeiras, com o clube vivendo a fase áurea da Academia, tratou de envolver a vida do menino com as cores verde e branca.
Mas o garoto conheceu o Corinthians. Estava balançando entre o mosqueteiro e o periquito, quando, em 1974, veio a célebre final do Paulista.
O Timão perdeu a decisão. O filho ouviu tudo sozinho, pelo rádio do carro. Sai e dá de cara com o pai, que fulmina: “Tá vendo? Corinthiano é sofredor! Continue palmeirense para não sofrer”.
Ah, pai! Você não sabia o que é ser Corinthians! O destino traça o escudo redondo com a bandeira paulista, os remos e a âncora no coração do escolhido. Se ele tiver que ser, será. E eu era, sou e serei alvinegro.
Não queria lhe dar essa tristeza. Sei que foi uma decepção para você. Mas nisso se revelou sua nobreza, pai.
Você poderia ter me deserdado futebolisticamente. Em tempos de poucos jogos ao vivo pela TV, você podia simplesmente não me levar ao estádio e me afastar do time.
Mas você me levava, pai. E, incrível, a final de 77 teve sua presença no Morumbi e não a minha. Você foi com seu patrão, corinthiano, invadiu o campo e ficou triste como palestrino, mas feliz por saber que sua pequena ovelha (alvi) negra vibrou em casa com o título.
Como se corinthiano fosse, você me levou a tantos e tantos jogos. Presenciou vitórias, empates e derrotas do meu time. Ao meu lado.
Os jogos contra o Palmeiras sempre foram cercados de respeito mútuo. Quantas vezes assisti na TV da sala e você na TV do quarto. Por temperamento, nunca fomos de “zoar” com a cara do outro. Havia uma comemoração contida. Não seria justo tripudiar sobre quem me deu liberdade para escolher (ou ser escolhido). E quando o Palmeiras vencia, você não queria me deixar ainda mais triste.
Não sei por que, mas aquele palmeirense ativo, que ia a pé de sua casa, em Santo Amaro à Igreja de São Judas no dia 28, baixou a guarda.
Preferiu o trajeto sofá-mesa-cama. Definhou. Não adiantaram as minhas broncas e as do meu irmão (esse sim, palmeirense). A hipertensão e o sedentarismo levaram ao AVC, há cerca de 40 dias. Meus amigos desta coluna conheceram semana passada um pouco do nosso drama, nesse artigo.
Pensei ser justo que soubessem do seu desfecho.
Naquele domingo, você chegou à Santa Casa de Santo Amaro, sem capacidade para engolir e com infecção pulmonar. A internação seria inevitável. Mas, a Dra. Nanda resolveu lhe mandar para casa com uma sonda no nariz. Fizemos o que pudemos. Deus sabe. Mas na quarta-feira à noite, você ficou ofegante, seus olhos vidraram. Seu filho corinthiano foi com você na ambulância. Foi o último derby, no qual ambos jogávamos do mesmo lado. Queríamos que você vencesse. O hospital foi sua prorrogação.
Trinta minutos depois, partia para o céu o palmeirense mais corinthiano deste mundo.
Partiu em noite de jogo do Palmeiras e em noite de jogo do Corinthians. Aos 77 anos. Sim, 77. E num dia 28, de seu São Judas querido.
Obrigado, pai. Vai com Deus, meu velho. E me desculpe. O Corinthians me escolheu.
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.
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