Contando mentiras dizendo só a verdade
Opinião de Isabela Abrantes
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Você provavelmente conhece um corinthiano ilustre que atende pelo nome de Washington Olivetto. Publicitário premiadíssimo, torcedor fanático e declarado, e uma das mentes por trás da diretoria na época da Democracia Corinthiana.
Foi o próprio que, em 1989, fez uma propaganda marcante para o jornal Folha de São Paulo. Acusada de participar ativamente da ditadura militar, o jornal precisava recuperar sua credibilidade diante do novo cenário político que se estabelecia - ainda instável e cheio de manifestações populares.
Dona da W/Brasil, agência da qual a Folha era cliente na época, a engenhosa mente de Olivetto criou uma das peças mais verdadeiras da publicidade brasileira. Tão verdadeira, que ganhou um “Leão de Ouro” em Cannes - o equivalente a um Oscar do mercado publicitário. Se você não viu, vai assistir e descobrir que em apenas 1 minuto, ele explicou uma coisa que não deveríamos nos esquecer nunca:
O filme se chama “Hitler”. E claro que eu, deliberadamente, só te contei isto no texto depois do vídeo para provocar o efeito que eu desejava em você. Assim, embora toda a informação esteja aqui, eu também editei os fatos à minha maneira para conseguir o que eu queria.
Estas informações conduzidas são um fenômeno interessante pois alteram diretamente nossa percepção dos fatos. O objetivo do vídeo é causar impacto, claro, mas observe que ele se baseia em um recurso poderoso: você já tem um conceito anterior - ou seja, é consenso entre nós - de que o Hitler foi um cara mau. Por isso, ele não precisa te explicar essa parte para que você chegue à grande conclusão do vídeo: o Washigton só apostou no senso comum para te mostrar como uma distorção pode ser construída mesmo quando se utiliza apenas de fatos reais.
O problema maior é que nem sempre você tem a informação prévia que te permite decodificar aquela mensagem. Quando é assim, vai consumir a ‘verdade’ apresentada: o que na pratica significaria achar que o cara do vídeo foi um herói que salvou seu país. E, embora a lição do nosso genial corinthiano nos fale de outro lugar, outro tempo e outro personagem, ela ainda soa atual passados 28 anos. Especialmente porque nos fala sobre o poder da edição e a capacidade de destacar - e omitir - os fatos para construir uma verdade, não a única, não a mais precisa - mas apenas um recorte dela.
Voltemos então ao Corinthians, e aos fatos. E às versões editadas destes fatos. Ou dos mesmos fatos, sob diferentes óticas.
Hoje, por exemplo, um destes fatos é que temos jogado lamentavelmente mal. Este fato, ofusca um outro que também devia estar sendo debatido. O fato omitido, ou pouco explorado, porém, é que temos sido sistematicamente prejudicados pela arbitragem. Por que ninguém (além de nós) fala disso? Será que o campeonato - que provavelmente terminará com o título de um rival favorecido pelos mesmos erros - não está manchado, como foi repetido à exaustão no ano passado?
Mesmo fato, mesmo jornalista, duas “verdades”
Não é só sobre a arbitragem, porém. O jogo de luz e sombra sobre os fatos se expande para todas as instâncias quando o assunto Corinthians. Fala-se dos problemas na Arena, fala-se torcida. Fala-se de Oruro ao citar o caso recente no Rio, mas não se fala de 1976 quando milhares de corinthianos invadiram aquele mesmo Maracanã em dia de festa e paz. Fala-se da crise do Corinthians com a Odebrecht - nem de longe tão hostil quanto a W.Torre e o Palmeiras. Fala-se da violência da torcida do Corinthians, ignora-se o corinthiano morto sob barras de ferro em Itapevi. Fala-se do contrato assinado fora da data por um presidente, mas não se fala (ou questiona) um outro presidente que quer comprar para ele próprio o estádio que pertence ao se clube. Fala-se. Fala-se. E edita-se.
Isso não significa que tudo que se fala é mentira, tampouco significa que tudo que se fala é mal intencionado. Significa que, como ironicamente a própria Folha nos traz, as verdades absolutas não existem. Precisamos questioná-las e encará-las, buscar novas maneiras de editar ou enxergar os fatos que elas nos trazem.
Não significa que alguém precisa bater no Caco Barcellos - ou em qualquer outro repórter - porque ele trabalha para uma empresa que editou um fato de um jeito questionável. Significa apenas que você, a cada dia, precisa se lembrar daquele corinthiano esperto que ensinou: “é preciso tomar muito cuidado com a informação que você recebe”.
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.