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Ítalo-corintianos: a metade alvinegra da colônia
Roberto Piccelli

Roberto Piccelli é advogado atuante em direito público e escreve sobre temas jurídicos e institucionais relacionados ao Corinthians.

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Ítalo-corintianos: a metade alvinegra da colônia

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Ítalo-corintianos: a metade alvinegra da colônia

Rivelino disputa a bola com Ademir da Guia

Foto: Reprodução

Muita gente em São Paulo tem o hábito de associar a colônia italiana a um só time, que por acaso vem a ser o nosso maior rival. Essa ideia já foi longe: há a lenda de que dois dos nossos maiores ídolos teriam tido que alterar a grafia do nome para disfarçar a origem familiar por conta da rivalidade: Luizinho* e Rivelino (originalmente Rivellino, com dois Ls). E até hoje a história segue. Eu mesmo, desde pequeno, ouço falar sobre uma possível incompatibilidade entre o meu sobrenome e a minha paixão pelo Corinthians.

Essa história não tem nada de verdadeira. É preciso fazer justiça aos italianos que desde o início ajudaram o Corinthians a ser o que é hoje.

Voltemos às nossas origens. O Corinthians foi fundado por operários no Bom Retiro, em 1910. Só daí já se pode deduzir qual era o sotaque dominante entre os primeiros corintianos. Afinal, no início do século XX, boa parte da gente humilde de São Paulo vinha exatamente da Itália, em particular ali na vizinhança onde o Corinthians nasceu. E a intuição não mente: o fato é que já do ato da fundação participaram Joaquim Ambrosio e o napolitano Raphael Perrone. Aliás, entre os 13 sócios-fundadores do Corinthians, além dos dois, estavam Salvador Lapomo, Antonio Vizzone, Emilio Lotito, Miguel Battaglia e Alexandre Magnani. Esses dois últimos, inclusive, foram também os dois primeiros presidentes do Corinthians. No futuro, a eles se somariam outros nove presidentes de origem italiana, inclusive o ex-presidente Mario Gobbi.

Dentro das quatro linhas, a relação também começou cedo. O time, logo depois da fundação, já contava com, além de Perrone e Ambrosio, Lepre, Police e, claro, com o parmesão Luigi Fabbi, autor do primeiro gol da história do clube, contra o Estrela Polar, 13 dias depois da fundação. E apesar da leva de jogadores que acompanhou Fabbi mais tarde, quando ele resolveu se transferir para o recém-fundado Palestra Itália, o Corinthians não deixou de contar com grandes craques de origem italiana. Nomes como os de Amilcar Barbuy (cujo irmão, Hemógenes, desenhou nosso primeiro escudo oficial), Guarisi (sobrenome de Filó), Armando del Debbio e Castelli (nome do Rato), foram uma constante nos primeiros anos da história do clube.

Ao longo do tempo, o Corinthians, sempre movido pela idéia de generalidade, teve outros grandes jogadores de descendência italiana, como Roberto Belangero (que inspirou o nome do meu pai, e, indiretamente, também o meu), Carbone, Dino Sani, Rivelino (que pode ter tido mau gosto na infância, mas logo se redimiu), e mais recentemente, Casagrande, Edson Boaro e Ronaldo Giovanelli, o grande goleiro dos anos 90.

Nas arquibancadas, o Corinthians sempre fez sucesso entre os ítalo-brasileiros. Para ilustrar a abrangência desse fenomeno, basta lembrar dos nomes mais famosos. Nunca faltaram, na galeria dos ilustres torcedores do clube, descendentes de italianos. Dos grandes automobilistas brasileiros, temos três corintianos declarados: Emerson Fittipaldi, Ayrton Senna e Rubens Barrichello. Ainda nos esportes, não há como ignorar a torcida de Hortencia Marcari, ex-jogadora de basquete. Nas artes cênicas, encontramos figuras como Gianfrancesco Guarnieri, Mazzaropi, Francisco Milani, Paulo Betti e Alessandra Negrini. Na música, Adoniran Barbosa, ícone-mor da cultura macarrônica de Sâo Paulo, cujo nome verdadeiro era João Rubinato, e Toquinho, como é conhecido o cantor e compositor Antonio Pecci Filho. E há incontáveis outras personalidades notórias, a exemplo do publicitário Washington Olivetto, do ex-presidente do TCE-SP, Roque Citadini, e do Padre Marcelo Rossi, para provar uma relação que nunca precisou ser exaltada para se fazer sentir.

Acontece que o Corinthians, ao contrário do Palmeiras, nasceu com uma vocação universal. A ideia dos nossos fundadores sempre foi criar um time aberto a todo tipo de gente, especialmente para a gente pobre de São Paulo, que naquele momento da história da cidade era sub-representada na parte mais organizada do futebol. Enraizado no Bom Retiro, o Corinthians foi gradativamente fazendo fãs de todas as etnias ao redor da cidade, e posteriormente, do estado, à medida que as noticias de suas conquistas iam se propagando por São Paulo. Enxergando a paixão que o clube despertava por onde passava, o modernista Menotti del Picchia cravou logo nos primeiros anos: “o Corinthians é um fenômeno sociológico a ser estudado em profundidade”.

Éramos, nesse ponto, diferentes de outros clubes da mesma época (das elites ou das colônias): encampávamos uma ideia de inclusão, de abrangência, de universalidade. Nunca precisamos ficar limitados a um determinado grupo de pessoas. Nas palavras de Miguel Battaglia, éramos destinados a ser o “time do povo”, simplesmente. Estávamos, portanto, abertos a todos: italianos, pretos, espanhóis, judeus, árabes, gente de todo tipo estaria conosco independentemente da ancestralidade.

Nessa semana de Dia dos Pais, inspirado por dois dos maiores corintianos que conheci, meu avô, que nos deixava há exatos dez anos, e meu pai, ambos ítalo-brasileiros do Bom Retiro, esse texto é uma homenagem singela à metade da colônia que foi encontrar orgulho na integração e na diversidade, em vez de se deixar levar pelo culto à nacionalidade e à diferença.

*: o jornalista Celso Unzelte, por exemplo, em seu excelente livro "Os Dez Mais da História do Corinthians", sustenta que o Pequeno Polegar tenha tentado disfarçar seu sobrenome "Trochillo", que seria italiano, trocando-o por "Trujillo". Na verdade, mais fontes indicam que "Trochillo" sempre foi espanhol. Certamente, ao menos com essa grafia, o nome não é italiano. Seja qual for a real origem de Luizinho, o simples fato de existir esse mito já diz muito.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

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Por Roberto Piccelli

Roberto Piccelli é advogado atuante em direito público e escreve sobre temas jurídicos e institucionais relacionados ao Corinthians.

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  • Comentários mais curtidos

    Foto do perfil de Sandro

    Sandro 34 comentários

    @sandro.roberto.de.ca em

    Ótimo texto, como é linda a história do meu time!
    Já dizia um velho ditado Paulistano: "Todo bom Italiano, tem que ser Corinthiano".

  • Foto do perfil de Jorge

    Ranking: 2114º

    Jorge 1005 comentários

    @jorge.almeida1 em

    O Perrone foi ensinado desde criancinha que tinha de detestar o Corinthians por não ser um clube italiano e não sabe nem as próprias raízes da família. Coitado rs

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  • Últimos comentários

    Foto do perfil de Gerson

    Gerson 18 comentários

    84º. @gerson.luis.tavares em

    Historicamente este texto é excelente e mostra a real origem do Corinthians, veio do povo e é do povo. Hoje disparado maior torcida do Brasil...Obrigado Roberto Piccelli soube informar sem denegrir outras agremiações...é exemplo.

  • Foto do perfil de Fabio Roberto Saez Sola

    Fabio 1 comentário

    83º. @fabio.roberto.saez.s em

    A família da minha mãe é espanhola, eu cresci com a ideia de que o Corinthians é time de espanhóis, pretos, árabes, judeus e nordestinos em SP. Mas sempre teve muitos ítalo-corintianos, a família paterna inteira da minha namorada é italiana e corintiana. Nos bairros paulistanos de colônia italiana, como Mooca e Barra Funda, a torcida corintiana ainda supera a da porcada. Como bem disse o texto, o Corinthians é tão italiano quanto a porcada, mas sempre exaltou o povo, não a nacionalidade.

    E o meu pai é um raro corintiano nascido em Portugal hehehe

  • Foto do perfil de Dawilson

    Dawilson 1 comentário

    82º. @dawilson.cistena em

    Meu antenato trouxe a família Italiana para São Paulo em 1909 e residiu em Itaquera- SP.

    Dentre as histórias de família dizem que ele, ao entrar no buteco era recebido com ar de repugnância pelos preconceitos da época...assim, brincava dizendo:

    'Não sou Alemão e disso não me engano, sou Italiano e muito mais CORINTHIANO' e logo fazia amizades.

  • Foto do perfil de Felipe

    Felipe 1 comentário

    81º. @felipe.vazquez em

    Luiz Trochillo era filho de mãe espanhola e pai descendente de espanhol. Trochillo tem o som de "trotchilho" pois é assim a pronúncia em espanhol.

  • Foto do perfil de Celso

    Celso 80 comentários

    80º. @celso.piantino em

    ...aunque Anarquista...