A África pode fazer o Corinthians ainda maior
Opinião de Victor Farinelli
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Outro dia, trocando mensagens internéticas com o amigo Alexandre Tavares sobre a Copa do Mundo, ele falou sobre o Ahmed Musa, jogador nigeriano que atuou muito bem contra a Islândia. A conversa foi sobre a falta de atenção do Brasil para valores potenciais do futebol africano, e claro que o nosso foco era o papel do Corinthians em meio a esse debate. A proposta do Tavares foi realista: claro que jogadores como o Musa são muito caros para qualquer um clube brasileiro, e ainda mais um com os problemas financeiros que o Corinthians tem hoje, mas... por que não estar de olho em jovens atletas da África?
Soará ridículo para muita gente propor algo assim no dia seguinte ao final de uma primeira fase de Copa do Mundo onde nenhuma equipe do continente se classificou para as oitavas. Mas quem viu as partidas de equipes como Marrocos, Nigéria e sobretudo o Senegal deve ter percebido que apesar dos resultados finais essas equipes mostraram jogadores interessantes. Tão interessantes que a valorização que o torneio lhes deu já deve tê-los colocado num patamar inalcançável para o Coringão, mas depois deles há outros, como certamente há jogadores de enorme futuro escondidos nas ruas desses países e de outros que não foram para a Copa.
Apesar de tantas coisas erradas que nós vemos dentro do Corinthians, tem uma coisa que sim deu certo, que é o trabalho do Cifut (Centro de Inteligência do Futebol), responsável pela observação e garimpo de jogadores. Claro que nem todos os atletas trazidos deram certo, mas alguns sim e já temos até um exemplo de jogador estrangeiro que foi uma aposta que o clube trouxe ainda jovem e depois de anos e chuvas de críticas acabou se tornando ídolo, autor de gol de título, artilheiro da Arena e reivindicador das embaixadinhas.
Se já pudemos fazer esse trabalho em um país da América do Sul – e podemos fazer em outros – por que não também na África? O continente africano está cheio de pequenos craques que podem ser aproveitados, e cedo ou tarde os clubes brasileiros vão descobrir isso. Como já fazem, por exemplo, muitos clubes portugueses, pescando valores, especialmente de países lusófonos – uma trava que o Corinthians não precisa copiar.
Uma das coisas pela qual o futebol africano ainda não deslanchou é o fato de que os que fazem esse tipo de trabalho geralmente são clubes europeus, que pegam um menino cheio de ginga e talento para burocratizá-lo, exagerando em melhorar a eficiência, esquecendo o talento. Numa formação mais à brasileira, a gente pode ensinar esse menino a ter consciência tática e a aperfeiçoar a técnica, sem perder a ousadia e esse gingado que, sabendo usar, faz uma tremenda diferença em campo.
Mas será que há dinheiro suficiente para isso? Primeiro, é bom deixar claro que a ideia não é trazer um time inteiro de jogadores jovens africanos para o Brasil. Começa trazendo um ou dois, testa, trabalha, lapida – como fizemos com Romero, Paulinho, Rodriguinho, Edenílson e outros – dá oportunidade, vê se dá certo, insiste, traz outros dois se os primeiros não renderem o esperado, porque uma hora vai acontecer. O Corinthians já investiu muito mais dinheiro em algumas barcas furadas que é melhor nem lembrar, e uma ideia dessas, se bem realizada, por render muitos bons frutos financeira e futebolisticamente.
Não significa dizer que passaremos a buscar somente revelações africanas. A maior parte desse trabalho continuará sendo na busca de jóias brasileiras, evidentemente. A questão é abrir oportunidades também para os africanos, e o clube saber aproveitar esses frutos.
Em meio a estes estranhos dias em que o clube vive, depois de um primeiro semestre que nos levou da euforia de um bicampeonato inesperado à incerteza de um possível novo desmanche iniciado com a saída igualmente inesperada do Carille, uma das formas de olhar o copo meio cheio é se agarrando na esperança dessa política de apostar em jovens talentos, e essa proposta visa justamente ampliar os horizontes desse trabalho.
Essa aposta na África não precisa se concentrar somente na chamada “África Negra”, e pode olhar com carinho também para a chamada “África Árabe” – embora me incomode um pouco essa distinção, até porque muitas pessoas (incluindo atletas) desses países do norte africano são tão negras quanto as do centro e do sul do continente.
O importante é que seja uma aposta por convicção e que vise o trabalho com jogadores jovens e baratos, que podem se valorizar no clube, e não com figurões em fim de carreira, como Drogba e Eto´o. Tampouco devemos tomar o fracasso do único jogador africano a vestir a nossa camiseta, o sul-africano Mark Williams, com parâmetro para rejeitar essa ideia. Hoje é um outro Corinthians, onde as coisas podem dar certo se são feitas a partir de um projeto consistente.
Como já disse antes, é questão de tempo para o futebol brasileiro descobrir que a África tem muitas oportunidades interessantes. Talvez ainda estejamos longe, mas esse dia chegará, e seria muito especial se esse pioneirismo fosse do Corinthians, como forma de reivindicação da batida que ecoa das nossas arquibancadas, das raízes dos nossos fundadores e da maioria da nossa louca e apaixonada torcida.
Seria mais um feito para nossa belíssima história, que não é feita só de futebol. O Corinthians é um fenômeno social brasileiro, e se fizer essa aposta se tornará um fenômeno mundial. E ficará ainda maior.
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.