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Dualib nunca mais
Rafael Castilho

Rafael Castilho é sociólogo, especializado em Política e Relações Internacionais e coordenador do NECO - Núcleo de Estudos do Corinthians. Ele está no Twitter como @Rafael_Castilho.

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Dualib nunca mais

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Dualib nunca mais

Retorno de Dualib seria um retrocesso no Corinthians

Foto: Divulgação

Chegando nas últimas letras do hino do Corinthians se ouve um verso tão lindo: “seu passado é uma bandeira; seu presente é uma lição”.

É possível dizer que a aprovação do retorno do antigo presidente Alberto Dualib ao quadro de associados do clube, por parte do CORI, significa que o clube não aprendeu nada com o que há de pior em seu passado. Se o passado do Corinthians é uma bandeira, significa dizer que nossa bandeira é agora pisada e rasgada em nome do que há de pior no Parque São Jorge. Se o presente é uma lição, estamos deixando agora a pior das lições para as próximas gerações de corinthianos.

Temos ouvido cinicamente pelas alamedas do clube que isso seria um suposto “ato humanitário.

Que história é essa?

Se o clube estivesse efetivamente interessado em mobilizar suas energias para reparações humanitárias, deveria, antes de tudo, permitir que outros tantos corinthianos que dedicaram suas vidas ao clube adentrassem à sede social e recebessem o devido reconhecimento. Ou que velhos corinthianos que mal sobrevivem com aposentadorias injustas pudessem ter mais chances de assistir os jogos na Arena em Itaquera. Heróis são os coringões que seguraram a onda em dias e noites difíceis em nossa história e agora sequer tem condições de assistir aos jogos. Corinthianos e corinthianas que nunca tiraram nada do clube para si, ao contrário, doaram sua força, seu dinheiro e seus melhores dias.

A decisão de trazer Dualib de volta não tem nada de humanitária, muito pelo contrário. Dualib é um fantasma vivo que representa tudo que existe de pior dentro do Corinthians. Representa tudo aquilo que impediu historicamente esse clube de se desenvolver e romper com velhas práticas destrutivas.

Dualib é a síntese daquele ditado já conhecido: “O Corinthians é gigante dos portões para fora do Parque São Jorge. Dos portões para dentro é pequenino”.

Dualib provocou os piores danos possíveis. Danos materiais e principalmente danos institucionais.

Do ponto de vista material, quem não se lembra que o Corinthians chegou à beira de ser dissolvido?

O Corinthians foi rapinado durante anos. Não havia mais separação entre os negócios do clube e os negócios de seu presidente. Negociatas na calada da noite ocorriam e o Corinthians perdeu oportunidades incríveis, num período de relativa riqueza em nosso futebol, com o câmbio da moeda brasileira valorizado. Não havia negócios possíveis para o clube que não atendessem primordialmente os interesses de Alberto Dualib.

O roubo dos anos de Dualib foi visível e vergonhoso. Porém, talvez o maior prejuízo de seus anos no clube tenha sido o institucional.

Durante a era Dualib, o Corinthians viveu uma verdadeira ditadura.

Tão logo chegou ao poder, as eleições regulares e extensiva a todos os associados do clube foram interrompidas. Circular no Parque São Jorge era asfixiante. Muitos grandes corinthianos deixaram de conviver no clube. Não havia um canto do clube em que não havia uma placa com o nome do Dualib, como nas piores ditaduras. Talvez para que todos lembrassem a todo instante que aquele clube tinha dono.

O clube chegou ao absurdo de interromper a adesão de novos sócios. Sim, com Dualib no poder, o corinthiano que decidisse se associar ao clube para participar de seu cotidiano era impedido. Durante um período, eram permitidas apenas inscrições para usufruto das dependências sociais, porém sem qualquer direito previsto aos associados, direitos esses que dos associados antigos também já haviam sido usurpados e tolhidos.

Quem engordou na ditadura Dualib vive argumentando que o clube também ganhou campeonatos.

Ora, a gestão do clube era uma piada. Os títulos que o Corinthians passou a ganhar, na verdade, estavam muito mais relacionados às transformações que o futebol passou a viver. Até os anos 80, o patrimônio de um clube se configurava como um patrimônio físico. No primeiro título brasileiro, em 1990, pouco antes da chegada de Dualib à presidência, a Globo sequer transmitia o campeonato. A grande final foi transmitida pela Bandeirantes que cravou o maior recorde de audiência de sua história até então, somente superado depois pelo próprio Corinthians no Mundial de 2000. A partir dos anos 90 o clube passou a valer muito mais por conta do potencial de sua marca e principalmente com a arrecadação de direitos de transmissão. Em suma, a torcida (em número e capacidade de consumo) passou a ser o maior ativo de um clube e não o valor de seu imobiliário e a transação de jogadores, por exemplo.

Outro fator foi a estabilidade da moeda brasileira, ocorrida naquele período, que favoreceu também o incremento do mercado do futebol. O Real - que valia praticamente o mesmo que o Dólar - facilitou a competitividade dos clubes brasileiros no mercado externo, naquele período.

A verdade é que o Corinthians deveria ter ganho muito mais. E nenhum título ganho valeu à pena diante da presença nefasta de Dualib. Tivemos, em verdade, um atraso histórico que amarrou o Corinthians no passado.

Esse cálculo que corriqueiramente as pessoas fazem dos títulos que o Corinthians ganhou na última década (2009 – 2019) tem dois lados. Não se pode tirar o mérito das coisas boas que foram feitas, embora haja ainda muito de Dualib acontecendo no Corinthians. Porém, não é coincidência que essa última década de vitórias tem o impacto decisivo do afastamento de Dualib do Parque São Jorge. Não foi por acaso. Quando o clube afastou Dualib melhorou tudo. O que é material e o que é imaterial. Passamos a vencer pelo que fizemos, mas também pelas energias boas que passaram a fluir.

Com Dualib o Corinthians era um clube que não se respeitava e não se fazia respeitar. Era uma instituição degenerada. Logo, nenhum jogador contratado e negociado haveria de demonstrar o respeito devido a nossa instituição. Foram processos e mais processos que prejudicaram o clube. Foi nessa época também que, desafortunadamente, vestiram nossa camisa grandes canalhas que sequer respeitavam o Corinthians. Quem esqueceu dos jogadores que nos trataram como Corinthians Futebol Clube, ou pior, teve até quem falou, sem o menor pudor, Sociedade Esportiva Corinthians.

A decisão majoritária do CORI, com raros e prestigiosos votos contrários, ofende o Corinthians. Faz com que o torcedor nutra um sentimento de desprezo e até nojo com o que acontece dentro do clube, o que não deveria ocorrer.

Da mesma forma que a “antipolítica” tem levado o Brasil ao abismo, essa decisão faz com que as atividades que deveriam ser consideradas tão necessárias e valorizadas do conselho do clube, sejam vistas como algo pernicioso e maléfico. As pessoas passam a desprezar a política do Corinthians ao adquirirem a percepção de que quase nada mudou, pois com Dualib vivemos a maior humilhação de nossa história. Caímos para a segunda divisão e, pior, quase fechamos nossas portas de tão podre que a coisa ficou. E agora, o que fazemos? Passamos um pano e fingimos que nada aconteceu!

As coisas não deveriam ser assim. A vida política do clube deveria encorajar a participação de todo corinthiano.

Sequer seria preciso defender que o Fiel Torcedor viesse a votar para presidente, caso a vida social e política no clube fosse saudável e desse prazer e satisfação no processo participativo. Se o associado tivesse os mesmos direito do Fiel Torcedor, com certeza muitos corinthianos escolheriam ser sócios do clube e participar do cotidiano político do Corinthians. Mas, não! O torcedor corinthiano, infelizmente, vê o clube como um conluio de interesses espúrios. Vê gente que deveria ter vergonha de botar a cara no Parque São Jorge e tem acesso garantido como se nada tivesse acontecido.

Corinthiano, esse tipo de acontecimento não deveria lhe afastar do clube, ao contrário. Você é muito necessário. Essas coisas só acontecem pois o Corinthians virou uma lojinha de pequenos e grandes interesses. Aqueles que têm condições financeiras deveriam se associar e participar ativamente para ocupar o clube e impedir que esse tipo de coisa aconteça.

O retorno de Dualib é uma agressão. Pior do que a presença de Dualib no clube, que já deveria ser suficientemente abjeta, existe a terrível sensação que não aprendemos nada com o passado e que estamos caminhando muito mal para o futuro. A presença de Dualib fará muito mal ao Corinthians. Será uma maldição.

Nos últimos setenta e seis anos, o Corinthians teve apenas cinco chefes políticos. São eles: Alfredo Ignácio Trindade, Vicente Matheus, Wadih Helu, Alberto Dualib e Andrés Sanchez.

Nos primeiros trinta e um anos de sua história, o Corinthians teve vinte e um presidentes. Já nesses últimos setenta e seis anos, tivemos tão somente doze.

O prêmio dado ao Dualib não parece ser por acaso. Talvez seja sinal de que Dualib nunca esteve tão vivo no Corinthians. Talvez nunca tenha saído de fato.

Existe um pouco de Dualib em cada canto do Parque São Jorge. Por isso esse clube ainda conviva com dificuldades que não deveria mais enfrentar.

Estaremos condenados a repetir o passado?

Veja mais em: Parque São Jorge.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

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Rafael Castilho é sociólogo, especializado em Política e Relações Internacionais e coordenador do NECO - Núcleo de Estudos do Corinthians. Ele está no Twitter como @Rafael_Castilho.

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