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Uma vigília pela Democracia e por uma nova convivência
Victor Farinelli

Victor Farinelli é um jornalista brasileiro e corinthiano residente no Chile, colabora como correspondente de meios brasileiros como Opera Mundi, Carta Capital, Revista Fórum e Carta Maior.

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Uma vigília pela Democracia e por uma nova convivência

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Opinião de Victor Farinelli

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Uma vigília pela Democracia e por uma nova convivência

Gustavinho e Sócrates juntos em arte feita por Wellington Martins

Foto: @wtn1991/Instagram

Em tempos de intolerância, em tempos de violência política (verbal e física), tempos de políticas que atacam os direitos dos trabalhadores, tempos de vidas das mulheres dos negros estando permanentemente ameaçadas, tempos de jornalistas sendo ameaçados de prisão e de morte por publicar reportagens que contrariam o governo da vez, naqueles tempos, o Corinthians foi cenário de um momento único na história da humanidade.

Me refiro ao ano de 1982, quando o Brasil vivia um panorama com todas essas características, que levaram ao surgimento da Democracia Corinthiana, o maior e mais poderoso movimento político e democrático surgido dentro do esporte em todo o planeta, que devolveu ao país o sentido do que é a convivência democrática, e que, ao fazê-lo em pleno período ditatorial, foi peça fundamental da campanha pela redemocratização, sendo o fator que popularizou a luta pela democracia entre os trabalhadores e os mais humildes da nossa sociedade, usando a linguagem do futebol para promover a importância desse conceito.

Décadas depois, nos encontramos em um momento no qual o Corinthians e o Brasil inteiro precisam de um movimento similar, que não demonize a política e sim a reivindique como espaço de convivência e coexistência democrática.

A Vigília Pela Democracia que acontecerá nesta sexta-feira (2/8), às 19h, em frente ao Parque São Jorge, é um convite para que corinthianas e corinthianos participem e pratiquem a democracia, sem violência, mostrando como se exerce a liberdade de expressão sem censura e com respeito pelo outro.

O local escolhido tem a ver com a polêmica desta semana, que precisa ser melhor esclarecida pelo debate a respeito do que aconteceu. Primeiro, é preciso analisar o equívoco da alegação de que a camiseta do Gustavinho expunha um pensamento partidário ou ideológico de esquerda. Foi político, claro, porque a defesa da justiça sempre é uma expressão política, mas para ser partidário ou ideológico teria que ser uma mensagem como “viva o socialismo”, ou “vote no PSOL”, ou “sou contra a reforma da Previdência”, ou “Corinthians é oposição”. Não dizia nada disso. Tratou-se de uma simples pergunta: “quem matou Marielle?”.

O problema desta censura é que ela acontece em momentos no qual o país já começa a entender que essa polarização está chegando a níveis que tendem ser desastrosos até para quem antes se achava imune. Em algumas das manifestações políticas mais recentes, houve provocações e brigas entre grupos que antes estavam juntos, e um deles, o grupo agredido, passou a fazer um mea culpa sobre sua aposta na desqualificação do outro a partir desse incidente.

Situações assim mostram que a melhor forma de enfrentar a polarização não é eliminando as legítimas expressões, que leva cedo ou tarde a uma disputa para ver quem destrói primeiro o outro lado. A forma de fazer as coisas sem destruição, que é a mais saudável para a sociedade, é promovendo o debate. Aliás, quem nos ensinou isso foram justamente os nossos democratas dos Anos 80.

A Democracia Corinthiana se chamava assim justamente porque era um espaço onde todos podiam se expressar. As decisões eram tomadas com todos dando sua opinião, e elegendo a que convencia mais. Uma pessoa, um voto, incluindo atletas, comissão técnica e todo o pessoal que trabalha pelo funcionamento da equipe, com o voto do capitão tendo o mesmo peso do voto do roupeiro. E o mais importante, sem anular o pensamento do outro, mesmo que seja voto vencido, não é razão para querer eliminá-lo ou censurá-lo.

Há quem tenha a falsa impressão de que aquele movimento dos Anos 80 era homogêneo, que todo mundo pensava igual. Ledo engano. Não só havia diferenças em termos de ideologia política, como também em termos das questões internas do clube, que eram os verdadeiros temas debatidos por eles. A Democracia não discutia, por exemplo, quem apoiava as Diretas Já ou não, e sim sobre ter ou não concentração, ou permitir ou não o sexo nas vésperas das partidas, e outras questões assim.

E o mais importante: todos eram livres de se posicionar se e como quisessem. Os que apoiaram o movimento de redemocratização eram livre de fazê-lo, e por isso Sócrates, Wladimir e Casagrande participavam de eventos. Outros atletas não o faziam, e estavam igualmente no seu direito.

Jamais apareceu um grupo de conselheiros na época dizendo que o clube tinha que ser neutro ou apolítico naquele momento, ou que o Sócrates não podia fazer sua histórica promessa de rechaçar a oferta da Itália e continuar no Coringão se as Diretas fossem aprovadas – até porque, seria uma contraditória forma de posicionamento político, como toda censura, inclusive a do recente episódio.

A Vigília Pela Democracia desta sexta-feira também é uma resposta à vitória dos antidemocráticos que conseguiram impor a censura no Memorial, e tirar de lá a camiseta do Gustavinho. E para isso chegaram a tal nível de truculência que alguns até ameaçaram invadir o Memorial, vandalizar a exposição e arrancar a camisa à força. Pessoas ligadas à exposição foram ameaçadas e ofendidas. Foi com essa agressividade que alcançaram o seu intuito. Que tipo de democracia é essa?

Democracia se faz de outro jeito, buscando uma convivência entre os diferentes grupos, e não com um querendo se impor sobre o outro no grito. Quem sabe, resgatar a frase da escritora britânica Evelyn Beatrice Hall (que costuma ser erroneamente atribuída a Voltaire, filósofo que ela biografou): “posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”.

A vigília, portanto, também é uma forma de revidar, mas não com violência e sim com a defesa da liberdade de expressão. Ninguém quer destruir o outro lado ou bani-lo do clube, mas sim que as decisões dentro do clube não deveriam ser tomadas assim, porque um grupo usou a ameaça de violência para impor sua vontade.

Evitar que essa escalada possa ter ainda mais consequência dentro e fora do clube requer um ato de importantes proporções nesta sexta. Não poderei estar, já que não me encontro na cidade, mas deixo registrado meu apoio, e desejo uma boa jornada aos meus amigos que lá estarão. Que seja uma noite pautada pelo mais genuíno princípio corinthiano, o de “ganhar ou perder, mas sempre com DEMOCRACIA”.

Aqui é Corinthians!

Veja mais em: História do Corinthians e Democracia Corinthiana.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

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Victor Farinelli é um jornalista brasileiro e corinthiano residente no Chile, colabora como correspondente de meios brasileiros como Opera Mundi, Carta Capital, Revista Fórum e Carta Maior.

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