Tite abre seu coração e já fala em voltar
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POR: Lucas Bettine
Plínio Rocha
Tite entra na sala dele, no CT do Parque Ecológico, e faz uma pausa. Olha para o armário onde guarda chuteiras, casacos, camisas e enxerga um adesivo colado. A imagem retrata o próprio técnico, o busto dele com a camisa do Corinthians. Ele olha, vira para o assessor e diz: 'Cara, posso pegar isso para mim? Será que dá para arrancar esse adesivo? Quero levar para casa. Quero muito'.
Claro que dá, Tite. Na verdade, o assessor, no momento seguinte, pega um telefone e garante ao treinador que ele vai ganhar uma versão nova do tal adesivo, enquadrada, bonita.
Não há pedido que Tite faça, no Corinthians, que não seja atendido. Reflexo da gratidão que deixou marcada em todos.
Nesta entrevista ao DIÁRIO, ele se emocionou. Falou sobre a passagem no Timão, sobre uma possível volta, no futuro. Para ele, não tem como ser melhor. Para os corintianos, professor, não é muito diferente, não.
ENTREVISTA:
DIÁRIO_ Foram três anos de muitas conquistas, mas, também, de muita pressão. Bem ou mal, bate uma sensação de alívio por dar um tempo?
TITE_ O duro é que não. Isso é a minha cachaça, o meu vício. Falo para a minha mulher: 'Tu agenda coisas logo, porque eu não aguento. Eu vou ler livro. Pescar um pouco, ver a mãe. Curtir um pouco. Depois, vai ficar chato. Tu vai me aguentar em casa'. Ela falou: 'Deixa eu agendar um monte de coisa para curtir'. Claro que houve momentos de tensão. Mas clube grande é assim. O Corinthians tem um poder de mídia extraordinário. Foi assim no Grêmio, no Inter, no Atlético-MG.
Agora, então, o reconhecimento chegou? Você é top?
Sim. No São Caetano, estava preparando a equipe para ser campeã, mas ela foi campeã com o Muricy. Não por culpa dele. Foi toda a equipe montada. Disse: 'Pô, poderia ter tido um bom trabalho, mas a chancela do título...'. Isso é importante, profissionalmente.
Até porque se não leva o título, ninguém se lembra...
É, mas até hoje tem palmeirense que me agradece. 'Pô, graças a ti, não caímos para a Segunda Divisão (em 2006).' Assim como, agora, o Corinthians abriu as portas e eu disse: 'Tenho oportunidade de fazer um bom trabalho e ser campeão'.
Você tem falado em dar uma pausa, mas, se for voltar a trabalhar no Brasil, o que pesará?
Estrutura, equipe, grupo de pessoas que possam vislumbrar uma oportunidade de crescimento. Mas que não pensem em buscar o Tite e fazer um ciclo igual a este do Corinthians. Nem o Tite, em lugar nenhum, fará. Dificilmente qualquer profissional fará.
Está falando em relação ao tempo? Três anos? Ou títulos?
Três anos e cinco títulos. Títulos dessa dimensão. Pode fazer, mas esses cinco... Libertadores, Brasileiro, Mundial, Recopa e estadual. Não acredito que possa. Foi um momento especial, único e vai ser difícil repetir.
Você fala muito da Libertadores invicta, em 14 jogos.
Sim, sim. Os outros que têm são de seis, sete jogos. Pegamos Cruz Azul, Boca, Vasco estourando, Santos, a melhor equipe, tecnicamente, última campeã. Emelec... Jogar lá, spray na cara, não deixam treinar. Nós mostramos que não precisa desse tipo de artifício para ganhar. Não precisa apedrejar o ônibus, tirar o local de treino. Precisa ser melhor. Ser mais competente. Ter amor próprio. Dizer: '?', foda-se se tu quiser me coagir, me amedrontar. Não tô nem aí'. Não adianta botar um árbitro que me tira com dez jogadores (contra o Emelec, fora). Nós vamos dar um jeito.
Se você vai ser convidado ou não, não se sabe. Mas a seleção brasileira é o seu sonho?
Antes era um sonho. Depois de passar no Corinthians, passa a ser objetivo. Por quê? Sonho é uma coisa distante. Objetivo é mais próximo. Quando acabar o ciclo do Felipe, quem vão buscar? Bom, vão dizer, tem o Tite e mais alguns. Eu estou nesse hall. Eu me credenciei. Mas o imponderável é saber quem vai ser. Não vou ficar pensando. Vou pensar em melhorar. Pensar que, daqui a pouco, abre uma perspectiva profissional no Rio. Num clube estruturado. Aí, sento, planejo. Essa perspectiva de crescimento é que vai ser determinante.
Se a diretoria do Corinthians pedisse para você ficar mais um ano, você teria ficado?
Não posso responder. Sabe por quê? Eu estaria transferindo e botando uma responsabilidade muito grande em cima dos dirigentes. E, aí, não seria justo. Um trabalho tão bonito como nós fizemos... Está sendo surpreendente a cada momento.
Magoa saber que a diretoria negociava com o Mano mesmo com você ainda no cargo?
Não. Deve magoar a pessoa. Não quero julgar. Eu quero estar bem comigo mesmo. No fundo, somos nós com o nosso travesseiro, a nossa consciência. Mas eu aprendi a não julgar. Quero ter as minhas opiniões. O tempo vai dizer.
Quando você saiu, na primeira vez, disse que tinha certeza de que voltaria. E agora?
A possibilidade existe. Eu só gostaria que fosse de forma tranquila, em paz, sem forçar a barra, sem achar que o Tite, quando vier, vai ter uma fórmula mágica. Não é assim. Futebol não se faz assim. Que as coisas fluam de forma natural.
Até porque, como disse, para ser melhor do que agora...
Eu não vou conseguir. Em clube nenhum. Na história do futebol mundial. Na Europa, pega Champions e Mundial, com Liga Espanhola, Supercopa... Não vem atrás de mim achando que eu tenho fórmula disso aí, não.
Alguns puxões de orelhas
Chicão
'Falei para ele se preparar melhor. Ele não ficou no banco e a coisa aumentou. ‘Pensa bem’, eu disse.'
Jorge Henrique
'Esse assunto magoou, porque foram falhas repetidas. Mas torço muito por ele, já disse isso.'
Romarinho
'Foi uma situação mais pontual. Para mim, seria fácil externar
e dizer o que fiz. Mas não.'
Emerson
'Teve alguns atrasos. Mas se o cara quer vir de helicóptero, no horário certo, qual o problema?'
Guerrero
'Num determinado momento, ele sentiu. Não estava bem. Conversamos, foi ótimo.'
Felipe
'Também tivemos de ter uma conversa. Disse que ele estava fazendo coisas e estava errado.'
A galeria de Tite pelo Corinthians
Campeonato Brasileiro (2011)
Foi o primeiro título. Depois de um início fulminante, com nove vitórias em dez jogos, o time até deu uma rateada, mas levou o caneco.
Copa Libertadores da América (2012)
Talvez o mais importante, por ser inédito e
ter sido tão aguardado pela torcida. Na final, vitória épica sobre o Boca Juniors: 2 a 0.
Mundial de Clubes da Fifa (2012)
Outro xodó. Na final contra o Chelsea, no Japão, Tite vibrou como nunca depois que Guerrero marcou o gol que garantiu
a vitória alvinegra.
Campeonato Paulista (2013)
Uma taça que Tite valorizou demais, que o Corinthians não levantava desde 2009. O adversário da final foi o Santos: vitória em casa e empate fora.
Recopa Sul-Americana (2013)
A última conquista do treinador.
O arquirrival São Paulo estava pelo caminho e foi derrotado duas vezes:
2 a 1 e 2 a 0. Outro caneco!
Opinião
Plínio Rocha, editor assistente de Esportes do DIÁRIO
O tratamento que ele merece
Tite está conseguindo, no Corinthians, uma coisa que raramente se vê. Alguém, no futebol, ser homenageado em vida. Por merecimento. Não apenas quando morre e traz, evidentemente, as lembranças inerentes a momentos como esses. O técnico recebe um reconhecimento justo. O clube e a torcida estão de parabéns.
Fonte: Diário de São Paulo