Ex-funcionário do Corinthians faz denúncias sobre cambismo e Fiel Torcedor
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Por Meu Timão
Desde o início da gestão Augusto Melo, torcedores do Corinthians vem reclamando da dificuldade em comprar ingressos para partidas sediadas na Neo Química Arena
Wanderson Oliveira / Meu Timão
Desde 2024, a torcida do Corinthians vem reclamando da dificuldade em adquirir ingressos para acompanhar partidas sediadas na Neo Química Arena. Cambistas, influenciadores e até sósias vêm comercializando entradas de forma ilegal. Inclusive, as vendas dos tickets para o segundo jogo da final do Paulista nem iniciaram, mas já aparecem em grupos no WhatsApp com valores de R$ 600 a R$ 1.500. O caminho desses bilhetes não é tão simples, porém.
Segundo informações do ge.globo, os cambistas são munidos por três frentes: sócios-torcedores, conselheiros e até contas do próprio clube.
O caminho dos ingressos

Jhony Inácio / Meu Timão
Como não há reconhecimento facial, sócios-torcedores podem adquirir entradas e repassar a outras pessoas. Já conselheiros recebem um ingresso e podem comprar mais quatro com desconto.
A reportagem do ge.globo, inclusive, rastreou uma entrada vendida por Ligia Gregorio Rocha vinculada ao ex-jogador Biro Biro, atualmente conselheiro do Corinthians. "Como conselheiro, a gente tem direito a comprar quatro ingressos (com desconto, além de um de cortesia). Meu filho compra e passa pro pessoal da família que vai. Às vezes a gente pega dois e passa dois", se defendeu o ex-atleta, dizendo não conhecer a vendedora, que negou ser cambista.
O Corinthians possui diversas contas para reservar ingressos e repassar a jogadores, empresários, parceiros e outros convidados do clube. Alguns desses vêm parando na mão de cambistas. Marcelo Munhoes, chefe do departamento de tecnologia do clube até janeiro deste ano, denunciou que o volume da venda dessas entradas aumentou bastante desde o ano passado.
"De fato, o torcedor não está errado nessa sensação de que está mais difícil (conseguir ingresso), que antigamente certas pontuações (do Fiel Torcedor) compravam e hoje não conseguem mais. A nossa torcida vai crescendo a cada dia e com certeza tem mais torcedores que também querem ir no estádio. Mas, devido a algumas coisas que estão acontecendo no clube, de fato não está indo mais a mesma quantidade de ingressos que até pouco tempo atrás ia para o programa Fiel Torcedor. Então, se você tem menos ingressos disponíveis, com certeza vai conseguir atender menos torcedores", contou o ex-dirigente ao ge.globo.
"Por exemplo: o 'login' do Marketing sempre existiu, mas antigamente, na gestão anterior, eram mais ou menos uns 60 ingressos. Hoje, são dois logins, um do próprio Marketing, de 200 ingressos, e outro do Universo SCCP, que também vai para o Marketing, com mais uns 200. Então, veja bem, subiu de 60 para 400, e isso a gente está falando de um único 'login'", detalhou.
Em 12 de fevereiro de 2025, o Corinthians registrou seu recorde de público na Neo Química Arena, com 47.695 pessoas pagando para assistir à vitória por 2 a 1 sobre o Santos, pelo Paulista. Segundo o clube, 2.662 ingressos vieram do login "Arrecadação - Vendas", uma dessas contas que o Timão mantém. O relatório da partida, porém, registra uma carga de 4.171 tickets, quase 10% do público pagante.
Vale lembrar que o Timão possui diversos outros perfis de vários departamentos internos para adquirir essas entradas. O "Comercial Arena", por exemplo, comprou 357 ingressos.
Outro dado das vendas dos ingressos no recorde chama atenção. Apenas 23.360 entradas, 48% do total, foram vendidos aos sócios-torcedores. Considerando cadeiras cativas e torcedores uniformizados, o percentual sobe para 66,7%. O Meu Timão havia denunciado, ainda em 2024, a alta quantidade de tickets vendidos fora do Fiel Torcedor, mesmo com todos tendo sido reservados antes mesmo de abrirem para torcedores "comuns".

Para as quartas de final do Campeonato Paulista, os ingressos do setor sul estavam sendo vendidos a R$ 80 pelo Corinthians, mas R$ 350 por cambistas
Reprodução
O lado do Corinthians
Com o "boom" de denúncias de cambismo, a Polícia Civil abriu um inquérito para averiguar o desvio de ingressos. Internamente, o Conselho Deliberativo também vem investigando.
O Corinthians, em contato com o ge.globo, disse que monitora redes sociais e outros meios para bloquear e impedir casos de cambismo. Contudo, "para que essa prática seja caracterizada como crime, é necessário que a vítima registre a denúncia. Infelizmente, o torcedor que adquire ingressos de terceiros também contribui para uma ação irregular".
No contato, o Corinthians ainda afirmou que a solução está na implementação do reconhecimento facial, algo que, por lei, o clube tem até junho para adotar a tecnologia. "O clube está realizando estudos para a implementação desse sistema", disse o Timão.
Marcelo Munhoes, por outro lado, disse que a diretoria alvinegra vem postergando a implementação. "Esse é um projeto que não sai do dia para a noite, precisa instalar equipamentos, fazer ajustes, fazer testes pilotos com setores, até que a gente consiga ter segurança e colocar para a arena como um todo. A gente precisava já ter começado, nosso objetivo era ter começado em outubro de 2024. Mas, como havia indefinição de quem seria o fornecedor, isso foi postergado", destacou o ex-funcionário.
"Em janeiro (de 2025), o clube precisava renovar o contrato do controle de acesso. Como eu percebi que não havia mais tempo, que a gente não ia atender as obrigatoriedades e iria passar vergonha sem o reconhecimento facial em junho, eu tomei a frente e renegociei o contrato com o atual fornecedor. É uma empresa que já tem vários anos no clube, tem todas as integrações desenvolvidas, já domina o sistema, é um caminho muito mais curto para a gente chegar na implementação do reconhecimento facial", seguiu.
Após fechar o acordo com a Ligatech, empresa que já administra as catracas da Neo Química Arena, Munhoes foi demitido. "Eu levei essa notícia numa reunião da diretoria, informei inclusive que os aparelhos chegariam naquele dia. Porém, no dia seguinte fui destituído do meu cargo e cancelaram a entrega dos equipamentos".
Denúncias à licitação para o Fiel Torcedor e ao camarote
Uma das promessas de campanha do presidente Augusto Melo foi a melhoria do Fiel Torcedor. Assim, em 2024 foi aberta uma RFP (Request for Proposal, que significa "solicitação de proposta", um projeto de licitação) pelo departamento de tecnologia do Corinthians com auxílio da Alvarez & Marsal.
Ao todo, oito empresas enviaram ofertas: Imply, Futebol Card, One Fan, Balada App, Ingresse, Feng, Ticket Hub e 2GO Bank. As duas últimas foram reprovadas pelo compliance do Corinthians por terem notas inferiores a 5 (4,3 e 3,2, respectivamente) - as demais foram aprovadas, com a Imply tendo a melhor avaliação: 9,5.
Apesar disso, até janeiro, a Ticket Hub era a favorita de Augusto Melo para assumir o Fiel Torcedor segundo Munhoes. "Depois que 2GO Bank saiu do processo a preferida era a Ticket Hub, cujos sócios comandavam a BWA. Além de não ter sido aprovada pelo 'compliance', o preço dela é bem mais alto do que a empresa que teve a melhor classificação. Só para vocês terem uma ideia, na parte de reconhecimento facial, chega a ser o dobro do preço do que a gente tem de melhor no mercado", explicou.
"A 2GO Bank, para ser honesto, eu nem conhecia. Eu fui (falar com eles) a pedido da diretoria. Mas, rapidamente, eu constatei que eles não tinham experiência no futebol e eu mesmo comentei com eles na época. Falei: 'olha, vocês querem pegar o maior clube do país e ainda não atendem nenhum grande clube? Me desculpa, mas eu não vou ser cobaia de vocês.' E o que eu percebi? Que houve uma insistência. Porque o presidente (Augusto Melo) falou: 'olha, a gente quer um projeto inovador, que tenha um banco por trás, que seja bem diferente.' Eu e o Fred (Luz, consultor da Alvarez & Marçal) batemos o pé. Falamos que a gente tinha que fazer o básico primeiro" também destacou.
Quando questionado sobre as negociações mesmo após reprovação do compliance, o Corinthians destacou que "o próprio ex-funcionário da TI informou ao presidente que o problema no compliance foi encontrado por um erro de digitação do CNPJ da empresa". Munhoes rebateu:
"O presidente Augusto Melo me mostrou um print em seu celular onde o CNPJ de um dos fornecedores estava digitado errado. Expliquei que ele estava me mostrando uma versão do documento bastante desatualizada e erros poderiam ser encontrados por não ter sido finalizado na época. As versões posteriores e inclusive apresentadas para a diretoria já se encontravam todas revisadas e corretas – afirma o ex-chefe da área de tecnologia", explicou o ex-dirigente. "A gente fez tudo olhando a parte técnica. Olhando melhor para o Corinthians. Não existe interesse pessoal particular de ninguém."
Quando desligado, Munhoes ainda deixou enviou um e-mail ao presidente Augusto Melo, aos vices Osmar Stábile e Armando Mendonça e ao diretor jurídico Vinícius Cascone sobre as empresas. Em dado momento, ele elencou nove razões para não assinarem com a Ticket Hub:
- Empresa possui péssima reputação no mercado;
- Não foram recomendados pelo compliance do SCCP. O sócio Bruno Balsimelli é parte passiva em ações que ultrapassam R$ 50 milhões;
- Já atuaram no Corinthians no passado, e trouxeram muitos problemas;
- Estão em apenas um clube, o Santos, que está insatisfeito e avaliando o mercado;
- Modelo de negócios da empresa não recomendável para um clube do tamanho do Corinthians, onde eles atuam como se fossem guarda-chuva de outras duas empresas (NewC e BePass);
- A BePass vem enfrentando problemas com o reconhecimento facial em outros clubes;
- Não possuem estrutura de suporte técnico e atendimento que o SCCP necessita;
- Não possuem o aplicativo para substituir o Universo SCCP;
- O preço está muito acima em relação aos seus concorrentes. Os preços da Ticket Hub ficaram superiores à 30% em relação à concorrência. Se compararmos isoladamente o controle facial, está praticamente o dobro. Como é um contrato de valor muito elevado, em que as cifras ultrapassarão os R$ 10 milhões por ano, será um prejuízo considerável aos cofres do clube.
Outra denúncia de Munhoes foi em relação ao camarote Fielzone. O ex-chefe do departamento de tecnologia reclamou do aumento na carga de ingressos recebido.
"O contrato anterior do Fielzone dava direito a 300 ingressos do setor 'Oeste Corner', além dos cerca de 400 do camarote mesmo, que é onde ficam as pessoas. Porém, no final do ano, houve esse aumento, sem explicação, de 300 ingressos do setor Oeste para mil. O que aconteceu? 700 ingressos foram tirados do Fiel Torcedor e colocados no contrato do Fielzone. O que me chamou a atenção é que eles estão inclusive inadimplentes, estão devendo R$ 2 milhões para o Corinthians, e até o dia da minha saída, não existia um aditivo de contrato assinado", explicou.
"Eu presenciei o Fred Luz, então o CEO do clube, levantando essa questão em reuniões que eu estava. Ele cobrou, pediu explicações e falou: 'olha, a gente precisa resolver, tem que deixar os 300 mesmo que já é contrato, não tem cabimento, a gente está com demanda excessiva de gente querendo comprar ingresso, e a gente vai aumentar o ingresso do camarote?'", apontou na sequência.
Também em contato com o ge.globo, a assessoria do Fielzone enviou uma declaração de Léo Rizzo, CEO da Soccer Hospitality, empresa que é dona do camarote.
"Logo após a pandemia, em que passamos meses sem torcida nos estádios, assinamos um acordo com o Corinthians para honrar os débitos vigentes daquele período, valores relacionados ao custo operacional do camarote. Desde outubro de 2022, todas as parcelas foram honradas na data programada, sem nenhum atrito entre as partes, e mais de 90% do valor já foi pago. Hoje, a procura por ingressos é muito alta, o que também é importante para o Corinthians, que é sócio da operação e recebe parte de tudo o que é arrecadado. Preparamos diversas ativações para a temporada de 2025, a relação com a gestão do clube é ótima e esperamos que a parceria com a Neo Química Arena seja duradoura", destacou o CEO.
O Corinthians também falou sobre: "Assim como o Fielzone, outros concessionários manifestaram interesse em obter mais ingressos para seus espaços. Diante disso, considerando que o início da temporada historicamente registra menor frequência de público, especialmente no Setor Oeste, foi estabelecido um plano de trabalho experimental. Após o término do Campeonato Paulista, será realizada uma análise do uso médio dos ingressos, seguida de eventuais ajustes contratuais."