Mutuca Rodrigo
Em diversos aspectos da vida, muitas vezes somos levados a aceitar análises apressadas, pautadas não na compreensão de um processo, mas na sua faceta mais óbvia: o resultado, a conclusão, o desfecho. Poderíamos pensar no sujeito que venceu na vida graças à meritocracia (não é o caso de investigar a pertinência ou não dessa ideia), poderíamos pensar no piloto que venceu o mundial de F1 graças a uma estratégia extremamente bem calculada (enquanto seu colega de equipe, às vezes igualmente talentoso, ficou lá nas posições intermediárias), mas não, o assunto aqui é futebol e, mais do que isso, aqui é Corinthians!
Talvez Tite só seja o atual técnico da seleção por ter sido campeão brasileiro de 2016. Talvez ele só tenha sido bancado naquele campeonato, após campanha infeliz na Libertadores, por ter sido campeão mundial em 2012. Talvez... Eu continuaria esse raciocínio até chegar a alguns momentos cruciais: o gol do Paulinho, a defesa do Cássio (ambos contra o Vasco), a não demissão do Tite (após o Tolima), a própria contratação do Tite (após Adilson não ter confirmado a boa expectativa que seu trabalho no Cruzeiro chegou a sugerir) e cada um de vocês poderá se lembrar de outro momento quase esquecido que se tornou crucial para que as coisas acontecessem do modo como aconteceu.
Olhando para trás, vejo duas coisas pelo menos:
- O acaso operando a nosso favor (às vezes quando parecia jogar contra);
- Que o Tite teve a competência de transformar esses acasos em uma carreira respeitável.
Olhando para agora, olhando para frente, faço raciocínio similar:
- Inúmeros acasos estão acontecendo e irão acontecer (Não vinda do Pottker e do Drogba, contusão de diversos jogadores, contratações questionáveis, trocas - por enquanto - hipotéticas etc);
- Em algum momento pode acontecer de o Corinthians descobrir como arquitetar esse quebra-cabeça, transformando esses problemas em soluções (um Marciel improvisado na lateral pode o capítulo anterior ao Marciel, enfim, no meio-campo; o 'refugo' do arquirrival pode se transformar no símbolo de raça e eficiência de que precisamos; o jogador que errava passes de dois metros pode adquirir confiança e se transformar no driblador que, hoje, o time não tem...).
É preciso sorte. Sim, mas sorte acontece todos os dias (sorte, em latim, está atrelada à ideia de sorteio, aleatoriedade; ela acontece independentemente da nossa vontade - 'alea jacta est' / 'a sorte está lançada' - como diria Júlio César).
Mas não nos enganemos. É necessário saber que, embora as coisas não são geridas apenas pelo planejamento, é o planejamento que nos faz aproveitar melhor esses acasos. Tite, ao substituir Adilson, não era o Tite de 2017. Os profissionais do Corinthians precisam se inspirar nessa história de superação, diria de ressignificação. Não não somos condenados a ser o que somos hoje.
Mas precisamos que os profissionais acreditem nisso.