Precisamos falar sobre Matheus Pereira
Maurício Barros
Matheus Pereira foi chamado de 'prepotente' por errar pênalti de cavadinha
Estive segunda-feira no Pacaembu para a final da Copa São Paulo de Juniores. Um ótimo jogo de futebol, com nível técnico e tático superior a muitas partidas do Brasileirão do ano passado. Duas equipes com qualidades distintas, estratégias idem, que proporcionaram um ótimo espetáculo aos quase 30.000 torcedores que foram ao estádio — e a outros milhões que assistiram ao jogo pela TV. Palmas para os garotos e também para os dois técnicos.
A Copinha é o exemplo gritante, escancarado, de que o Brasil segue sendo a mais fértil fonte de jogadores de futebol do planeta. E acompanhei jogos desde a primeira fase. Nenhum outro país apaixonado por bola têm a quantidade de bons times e jogadores que existem aqui. A coisa é matemática, temos uma população bem maior que os demais celeiros - a Alemanha não tem metade dos nossos 200 milhões; a Argentina, nem um quarto.
Some-se a isso o fato de que o futebol vende bem a ilusão de ser um atalho para a ascensão social, e vemos um cenário em que o número de garotos que se arriscam nas categorias de base permanece enorme. Um bom paralelo a isso são as corridas de fundo do atletismo. Por que quenianos e etíopes dominam essas modalidades? Ora, porque no Quênia e na Etiópia todo mundo corre, desde pequeno.
Então por que diabos os clubes brasileiros estão procurando soluções outras que não a valorização radical de suas bases, onde gastam fortunas? Nos últimos anos, com o Santos como exceção, passaram a tentar cobrir a inevitável saída de seus melhores valores com jogadores de terceiro escalão da América do Sul. Os de primeiro nível, a Europa leva. Os de segundo nível, a China arrebata. E dá-lhe Wilder, Allione, Mouche, Mena, Riascos e tantas outras 'sobras' a ocupar espaços no elenco e na folha de pagamento sem valerem a pena. Não, eles não são melhores que a garotada da base, só mais rodados. É claro que há alguns acertos - De Arrascaeta, Pratto, Barrios. Mas a margem de erro está alta demais.
Um argumento importante contra a tese da 'radicalização' do uso da base é o risco de 'queimar' esses talentos, jogando-os na fogueira que é o futebol profissional. Dizem que, sendo muito jovens, os meninos precisariam ser 'lançados aos poucos, sempre com jogadores experientes do lado'. Essa mescla é relevante, claro, mas dois ou três 'macacos-velhos' no grupo já resolvem a questão. Porque esses meninos, hoje, chegam aos 20 anos muito mais maduros do que há duas, três décadas. A maioria já completou o Ensino Médio (os principais clubes brasileiros exigem isso), tem acordos com agentes, se informa sobre a profissão e seus macetes.
Para romper essa barreira, os clubes precisam urgentemente estruturar um departamento que cuide especificamente dessa passagem: do sub-20 para o time profissional. Isso inclui psicologia, preparação física, relações com a imprensa e o torcedor, finanças pessoais, até discussões de comportamento dentro e fora de campo, como simulação, comemorações de gol, provocações ao rival, relações com o árbitro, e também vestuário, tatuagens, celulares, vida noturna e assédio de toda ordem.
E aqui chegamos a Matheus Pereira, craque dos juniores do Corinthians, fetiche máximo do futebol-arte: um camisa 10 canhoto, elegante, hábil, goleador e com ótima visão de jogo. Matheus tem tudo isso. Fez um golaço no primeiro tempo, mas sumiu no segundo. Na decisão por pênaltis, errou, como tantos outros erraram. Mas errou de cavadinha, um lance de exposição máxima. A cavadinha não é uma cobrança comum, é pura vaidade do cobrador. Se dá certo, é um chiste de moleque, um prazer de garoto jogando na rua. Se dá errado, é uma auto-humilhação, que vem carregada de um linchamento: 'prepotente', 'arrogante', 'irresponsável', ouvi tudo isso do Matheus na saída do estádio.
É hora de pegar esse garoto e cuidar dele. Protegê-lo, ajuda-lo a superar esse primeiro trauma. Com apenas 17 anos, Matheus já é melhor do que muitos profissionais, brasileiros e gringos, que andam por aí em clubes importantes. Há muitos outros Matheus chegando por aí. Vamos cuidar deles?