Venha fazer parte da KTO
x

Primeiro Corinthians x Peñarol teve batalha campal, invasão e vingança contra ícones do Maracanazo

6.8 mil visualizações 59 comentários Reportar erro

Jogadores, fotógrafos e policiais em campo ao final do duelo

Jogadores, fotógrafos e policiais em campo ao final do duelo

Reprodução/OGlobo

Corinthians e Peñarol se enfrentam na noite desta quinta-feira, na Neo Química Arena, pela Copa Sul-Americana, um raro encontro válido por torneios Conmebol entre os dois gigantes sul-americanos. A história do duelo, no entanto, vai muito além do que Sul-Americanas, Mercosuls e Libertadores podem dizer.

O primeiro duelo entre as equipes se deu no dia 24 de julho de 1952, válido pela segunda edição da Copa Rio, torneio amistoso organizado pela CBD com clubes de várias partes do mundo, um formato que virou moda no pós-Guerra, com a facilidade maior de trânsito pelo mundo e intercâmbio de experiências.

Folha de S. Paulo lamentou os eventos ocorridos em uma noite de batalha campal que se tornou cada vez mais comum com os torneios sul-americanos

Folha de S. Paulo lamentou os eventos ocorridos em uma noite de batalha campal que se tornou cada vez mais comum com os torneios sul-americanos

Reprodução

O Timão chegou ao embate credenciado por uma excelente fase de grupos, quando havia goleado por 6 a 1 o Saarbrucken, vice-campeão alemão da temporada anterior, feito 6 a 0 no Libertad-PAR, então líder do Paraguaio, e vencido o forte Áustria Viena por 2 a 1, passando em primeiro no grupo de São Paulo.

Do outro lado, o Peñarol vinha de uma fase de grupos tranquila, ainda que tivesse sido surpreendido ao perder por 3 a 0 pelo Fluminense, derrota que classificou os cariocas e o colocou na segunda colocação da chave, exigindo uma viagem a São Paulo para jogar a semifinal com os corinthianos.

O Peñarol havia poupado alguns atletas para estar apto a competir na fase decisiva e chegou na capital paulista com força máxima. Nada menos que dez campeões do mundo em 1950, no Maracanazo, estavam no grupo. Cinco deles foram titulares na vitória da Celeste sobre o Brasil na final daquela Copa, incluindo os mais famosos.

Gigghia, Hohberg, Miguez, Schiaffino e Vidal, a linha ofensiva história do Peñarol dos anos 50 - desses só Hohberg não encarou o Timão

Ghiggia, Hohberg, Miguez, Schiaffino e Vidal, a linha ofensiva histórica do Peñarol dos anos 50 - desses só Hohberg não encarou o Timão

Getty Images

Obdulio Varela, zagueiro/volante, capitão e tido como o grande líder criado pelo futebol uruguaio na história, Schiafino, meia-armador e autor do primeiro gol uruguaio na final de 50, e Ghiggia, eterno carrasco brasileiro, que anotou o 2 a 1 e calou o maior estádio do mundo. Ou seja, os "fantasmas" do Mundial haviam voltado ao Brasil - e cabia ao Timão pará-los.

Para isso, é claro, o clube alvinegro contava com talvez o melhor time da sua história, com Claudio e Baltazar, seus dois maiores artilheiros da história, na linha ofensiva, e Luizinho, possivelmente o melhor da história alvinegra na armação. Chegou, então, a hora da verdade.

Catimba antes da bola rolar

O jogo só foi disputado no dia 24 de julho porque o Peñarol se disse surpreso por ter de se deslocar até São Paulo após perder para o Fluminense e pediu que o embate, marcado para a quarta, dia 23, fosse adiado. Talvez no último ato cordial entre os clubes naquela época, a diretoria corinthiana aceitou o adiamento de prontidão.

Não satisfeitos com a aceitação alvinegra, os carboneros pediram que o segundo jogo, no dia 27, fosse marcado para o Maracanã, já que tinham o Rio como sede naquela viagem. O regulamento, porém, era claro: os primeiros colocados de cada grupo vão atuar em casa nas duas semifinais. Os diretores corinthianos trataram o pedido antes do jogo como uma ofensa.

Os uruguaios também faziam pouco caso dos nomes mais conhecidos do Corinthians. Baltazar, que integrava a Seleção em 1950, mas perdeu a vaga na final, pouco foi citado como destaque mesmo sendo o artilheiro da competição com sete gols em três jogos. O meio-campista Goiano, por sua vez, fora apontado como um "atleta notável".

Jogo brigado

O começo foi tudo que não se quer diante de um time experiente, que joga bem e sabe fazer o tempo passar, com os jogadores corinthianos reclamando bastante de algumas divididas e contestando as faltas ignoradas pela arbitragem. A torcida, ainda que atenta, não conseguia se inflamar com um jogo que pouco fluía.

Tudo começou a mudar aos 35 minutos da etapa inicial, quando Baltazar recebeu uma cotovelada, sem identificação do autor, e deixou o gramado com o osso malar da face afundado e suspeita de fratura. A comoção foi grande no estádio e os corinthianos pareceram se alimentar da raiva pela deslealdade com o Cabecinha de Ouro.

Cinco minutos depois, Gatão, que substituiu o centroavante, sofreu falta violenta de Romero "na altura dos joelhos" e viu o jogador ser expulso pelo juiz alemão Eugen Digger. O Timão ficou com um jogador a mais.

Pacaembuzaço? Não com o Corinthians

Apesar do jogador a mais, a etapa final começou complicada para o Corinthians. Com apenas 12 minutos de bola rolando Ghiggia, o Carrasco, recebeu nas costas de Julião e Murilo, batendo cruzado, sem chances de defesa para Gylmar. "Um tento espetacular" descreveu O Globo do dia seguinte.

"Os campeões uruguaios foram tomados de euforia", contou o mesmo jornal, mas havia do outro lado simplesmente o jogador que mais gols produziu - para ele e para os companheiros - na história do Corinthians. Claudio, em "tiro violento de fora da área", venceu o goleiro Pereira Natero e deixou tudo igual.

Feras orientais sucumbem

O jogo continuou movimentado e, na visão da Folha de S. Paulo, o espírito corinthiano foi capaz de "sobrepujar" a raça uruguaia dentro de campo. Segundo O Globo, as "feras orientais só foram batidas "porque os campeões paulistas estavam dispostos a vencer a qualquer preço".

Foi então aos 29 minutos que Carbone invadiu a área e foi derrubado por Carrizo. "A falta foi clássica, claramente vista e unanimemente reconhecida. Mas, mesmo assim, Obdulio Varela fez um drama (...), bateu palmas e terminou por cumprimentar o juiz, que o deixou permanecer dentro de campo", continuou o periódico, num claro indicativo do fascínio que Obdulio causava nos brasileiros daquela época - e nos uruguaios até hoje.

Claudio foi para a batida após o show do capitão uruguaio, converteu o pênalti e encaminhou a vaga corinthiana na final do torneio. A história daquele jogo, no entanto, passava longe de ter acabado.

Batalha campal

Com um jogador a mais para o Timão, uma festa nas arquibancadas e o sangue uruguaio fervilhando em cada um que vestia amarelo e preto, o destino parecia já selado. Não demorou para que, após discordar de uma falta marcada no campo de defesa corinthiano, Míguez empurrasse o juiz acintosamente, desequilibrando-o.

De maneira impressionante - surpreendeu a todos os jornais, por sinal - o árbitro não o expulsou de primeira, fazendo com que Claudio o cobrasse por meio de um intérprete à beira do campo. Pressionado e com Míguez mantendo a atitude hostil, o juiz resolveu expulsar o atacante, dando início à confusão que selou o fim do duelo.

Quinteto corinthiano formado por Claudio, Luizinho, Baltazar, Carbone e Mário

Quinteto corinthiano formado por Claudio, Luizinho, Baltazar, Carbone e Mário

Arquivo Corinthians

Policiais entraram em campo para proteger o juiz de mais agressões e acabaram dando voz de prisão a Míguez. Vidal e Obdulio intervieram na situação e também foram levados à delegacia sob alegação de desrespeito à autoridade policial. Na confusão, um fotógrafo de A Gazeta Esportiva, que prestava serviço a jornais de Montevidéu na cobertura do torneio, foi chutado por Abadie e quebrou a perna, causando ainda mais revolta na torcida.

Batalha pelo Centro de SP

Com três uruguaios prestando esclarecimentos na delegacia e o restante no hotel City, na rua Brigadeiro Tobias, na região da Estação da Luz, outrora chique e pujante no centro de SP, a torcida corinthiana se dividiu. Alguns foram tentar xingar Obdulio, mas a óbvia presença da PM intimidou manifestações mais fortes. O cenário era diferente no hotel, porém.

Torcedores com bandeiras e vindos diretamente do Pacaembu começaram a atirar objetos na fachada do hotel e invadiram o saguão em busca dos jogadores, que rumaram para os quartos. O reforço policial foi chamado para evitar mais problemas, mas a maioria da torcida já saíra para festejar quando os PMs apareceram.

Os dirigentes, no entanto, ordenaram que os atletas arrumassem as respectivas malas e fossem direto para o aeroporto de Congonhas para pegar a ponte-aérea. Dividida em três, a delegação, que já não queria permanecer em São Paulo, viajou de PanAir para a então capital nacional já na manhã seguinte.

Saldo médico: quatro hospitalizados

O saldo final do jogo e da briga foi de três jogadores do Corinthians foram internados no Instituto Paulista. Baltazar precisou passar por uma cirurgia de urgência para corrigir o afundamento na face, em operação que comoveu todo o centro médico, segundo a Folha. Vale lembrar que o Cabecinha de Ouro era um grande ídolo nacional à época.

Murilo, que se machucou ao tentar salvar o gol de Ghiggia, engessou a perna por ameaça de fratura no menisco após romper o tendão patelar. Roberto Belangero, que terminou o duelo como ponta direita porque mal conseguia ficar em pé, também teve a perna engessada após levar um pisão na perna de Míguez. Diferentemente de Baltazar, porém, os dois foram para casa ainda à noite.

Já o fotógrafo d'A Gazeta Esportiva, que não teve seu nome revelado, também passou por cirurgia pois fraturou a perna com a agressão da Abadie, mas, segundo um relato da Folha de dois dias depois, já estava em sua residência.

Sem jogo da volta

Os uruguaios, alegando insegurança, disseram que nunca mais jogariam no Pacaembu - repita-se que a ideia era essa antes mesmo do jogo. Uma reportagem d'O Globo conversou com alguns membros da delegação, incluindo Ghiggia, na porta do hotel onde eles estavam hospedados, no Rio de Janeiro.

O Corinthians se dispôs a retornar a campo mesmo com três desfalques e outros jogadores muito desgastados pela intensidade da partida, mas fazia questão que o embate fosse realizado no Pacaembu. Sem acordo, o Peñarol voltou a Montevidéu no dia 27, data reservada para a volta, já de olho no clássico contra o arquirrival Nacional - vencido por 2 a 0 no dia 3 de agosto.

História para contar

Com um time esfacelado pela violência uruguaia e a alma lavada pela grande vitória, o Corinthians acabou sucumbindo na final diante do Fluminense, liderado por Didi e Telê Santana. Prejudicado pela mudança no regulamento, que colocou os dois jogos no Maracanã, o Timão perdeu o primeiro embate por 2 a 0 e empatou o segundo por 2 a 2, deixando o time carioca com o título do torneio. O clima, ao fim desses duelos, porém, foi de mútuo respeito.

Veja mais em: Jogos Históricos, História do Corinthians e Ídolos do Corinthians.

Veja Mais:

  • Lucas Piccinato se mostrou atento ao número reduzido de zagueiras no elenco do Corinthians

    Técnico do Corinthians abre o jogo sobre novos reforços e cita principal setor a ser melhorado

    ver detalhes
  • Corinthians jogará três vezes seguidas na Neo Química Arena pela primeira vez nesta temporada

    Corinthians terá sequência inédita em 2024 como mandante em meio a jogos decisivos; entenda

    ver detalhes
  • O Corinthians Feminino possui uma partida para disputar nesta semana

    Corinthians tem semana com decisão na Sul-Americana e outros oito compromissos; veja agenda

    ver detalhes
  • Segundo a Itatiaia, Cássio tem um acerto encaminhado com o Cruzeiro

    Cássio e Cruzeiro têm acerto encaminhado, diz rádio mineira; Corinthians manda oferta de renovação

    ver detalhes
  • Carlos Miguel falhou no primeiro gol do Flamengo, mas fez mais uma partida com defesas difícieis

    Carlos Miguel revela conversa com Cássio e 'culpa' erros individuais por derrota do Corinthians

    ver detalhes
  • Jheniffer abriu o placar, depois Vic empatou e Jaque retomou a vitória

    Reservas brilham e Corinthians consegue virada frenética nos acréscimos sobre o São Paulo

    ver detalhes

Últimas notícias do Corinthians

Comente a notícia: