STJD absolve Rafael Ramos em caso de injúria racial contra Edenilson
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Por Meu Timão
O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) absolveu nesta terça-feira o lateral Rafael Ramos, do Corinthians, no caso de denúncia por injúria racial feita por Edenilson, do Internacional.
No entendimento dos auditores da Segunda Comissão Disciplinar do STJD, não há no processo elementos que provam o suficiente para a condenação do atleta denunciado. A decisão foi feita por unanimidade dos votos e cabe recurso ao Pleno - que será acionado pelo Internacional.
A denúncia foi liberada pela Procuradoria após a conclusão do inquérito conduzido pelo auditor Paulo Sérgio Feuz que destacou que o conjunto probatório elaborado e, principalmente, a perícia labial contratada pelo STJD, demonstraram que existiam indícios fortes com ofensas de cunho racial praticada pelo atleta Rafael Ramos e direcionada ao atleta Edenilson.
A Procuradoria juntou, em uma sessão presencial e remota, as provas documentais e de vídeo, enquanto a defesa de Rafael Ramos juntou prova documental, de vídeo e testemunhal.
“Houve aquela disputa dentro de campo. Um lance normal, disputa entre os dois jogadores, com insultos entre as duas partes, o jogo continuou até que o Edenilson se dirigiu ao árbitro dizendo que tinha sofrido um insulto racista. Foi um lance muito rápido e não sei o que ele pode ter entendido. Após o jogo me dirigi ao vestiário do Internacional e falei com ele que deve ter entendido errado, que eu nunca o chamei de macaco e que não faz parte do meu vocabulário usar essa palavra como ofensa”, se defendeu o camisa 2 do Corinthians.
A defesa ouviu ainda Alessandro Nunes, gerente de futebol, António Ascensão, preparador físico do Corinthians, o zagueiro Robson Bambu, além dos peritos Anderson Santana e Fernando Pinho Barreira, que falaram sobre a análise pericial feita através de leitura labial, de maneira técnica.
Como foram as declarações na sessão
Além da defesa ter dado voz ao jogador Rafael Ramos e às testemunhas presentes, o portal do STJD também divulgou as sustentações da denúncia e a tese do advogado do Internacional. Por fim, também se teve conhecimento do voto dos auditores.
“Estamos em um caso muito triste e talvez um dos piores tipos de julgamentos no STJD. Seja por ambos os lados, a injúria racial cometida e submeter alguém que não cometeu é também doloroso. No presente caso foi instaurado inquérito, inúmeras diligências, laudos, vídeos e a conclusão foi para denúncia. As partes tiveram a oportunidade de escutar os técnicos, o denunciado e o que prevalece para a Procuradoria é o laudo pericial e imparcial do STJD. Não há nada incapaz de descaracterizar a conclusão do laudo pericial. Há divergências na defesa do Corinthians em fonemas e, apesar de se assemelhar, não possui elementos robustos para afastar o que o Edenilson falou e que foi concluído pelo perito. A tese de defesa do Corinthians não convenceu a Procuradoria. O termo macaco é conhecido mundialmente, Portugual e Brasil estão muito próximos e a tese de que não se usa a palavra macaco em Portugual não convence. Pela procedência da denúncia”, pediu Rafael Mocarzel, representante da Procuradoria, que sustentou a denúncia.
Quem seguiu a mesma linha foi Rogério Pastl, advogado do Internacional, que deu sequência à mesma tese da Procuradoria.
“Não tenho como não me filiar as razões da Procuradoria. Muito me toca estar num julgamento como esse. O Internacional sofre muito no Sul com essa questão de racismo. Não conheço o Rafael Ramos e de maneira alguma o Internacional e o Edenilson têm algo contra o atleta. Há divergência entre o que o atleta falou, entre os depoentes e os peritos falaram. Acho que o papel da Justiça Desportiva aqui não tem o poder de taxar alguém como racista ou não. Aqui estamos tratando de infrações disciplinares e esse é, infelizmente, o caso dos autos. A gente traz aqui depoimentos que nada preenchem ou desfazem o teor do laudo. Não posso deixar de frizar que a palavra macaco é utilizada de forma ofensiva contra pessoas de raça negra em todo o mundo. Com o máximo respeito ao atleta Rafael Ramos, não há outra alternativa a não acolher a denúncia. Quando a gente tem dúvidas é necessário analisar a reação dos demais colegas no campo de jogo. Na partida os colegas do Corinthians ficaram ao lado do Edenilson e o goleiro Cássio se dirigiu ao Rafael dizendo: Rafa assim não dá”, concluiu.
Contratado por Rafael Ramos, o advogado Daniel Bialski defendeu que não há provas e pediu a absolvição do jogador.
“Não é preciso dizer o quão grave é a uma acusação desse tipo, mas também é de se colocar na balança o quão grave é a condenação de quem é inocente. Existem laudos particulares feitos a pedido do Corinthians e do Internacional. Existe ainda um laudo feito por uma junta de peritos do instituto de criminalista que não receberam para isso e essa junta chega a uma conclusão que não se pode afirmar ou dizer que Rafael teria dito a palavra macaco. Este laudo está nos autos. A grande diferença é a especialidade dos peritos. O perito labial afirma de forma técnica que não foi dita a palavra macaco”, disse o defensor, que seguiu.
“Rafael em todas as oportunidades foi taxativo ao dizer que não falou a palavra macaco e que em Portugal não se usa a palavra com o intuito de ofender ... Se não existe prova absoluta, induvidosa, indiscutível, não se pode impor qualquer tipo de reprimenda a quem quer que seja. Rafael nunca teve passagem indisciplinar. Não houve ofensa racial ou qualquer tipo de cunho discriminatório. A defesa pede que seja julgada improcedente a acusação contra o atleta Rafael”, finalizou.
O voto dos auditores também foram divulgados. Relator do processo, o auditor Carlos Eduardo Cardoso explicou o entendimento e voto.
“O que mais me chamou a atenção foram quatro trabalhos e quatro conclusões. Ainda temos o relatório do inquérito policial do Rio Grande do Sul afirma que o vídeo foi encaminhado para análise de leitura labial e o laudo restou inconclusivo. Foram cinco trabalhos ao final. Diante de tantas dúvidas, a Procuradoria conseguiu provar além da dúvida razoável para que eu possa julgar e condenar o denunciado? Não, a acusação não conseguiu provar além da dúvida razoável. As dúvidas brotam de todos esses trabalhos e ao mesmo tempo que levo o peso do trabalho do perito do STJD, não afasto o trabalho realizado pelos demais profissionais experts na matéria da leitura labial. Chegar a conclusão que, por mais que o atleta Edilson possa ter ouvido, acho que há a possibilidade dele ter ouvido algo parecido e reagiu conforme o que entendeu que ouviu. Ou se ele de fato ouviu aquilo mesmo, se isso saiu da boca do atleta Rafael Ramos não tenho elementos minimamente suficientes para condená-lo”, disse o relator, ao direcionar as palavras para Edenilson.
“Edenilson, não se sinta vencido ou derrotado pelo meu voto no sentido da absolvição. A sua luta, a sua bandeira é a mesma que a minha. Lembro da bonita história do Internacional calcada nessa luta incessante contra essa chaga que se mantém aberta lamentavelmente no século 21. Neste caso aqui, não tenho como pensar de forma diferente diante de tantos elementos que geraram dúvida. Meu voto é no sentido de rejeitar a denúncia para absolver o atleta Rafael Ramos”, encerrou o relator.
Após algumas considerações e de acordo com a fundamentação do relator, os auditores Diogo Maia, Washington Rodrigues, Iuri Engel e o presidente Felipe Silva votaram pela absolvição de Rafael Ramos dada a ausência de elementos que comprovem a injúria racial.
Após o resultado, o Corinthians divulgou uma nota oficial e reforçou que sempre deu todo apoio a Rafael Ramos. Quem também soltou uma nota foi a defesa do jogador, liderada pelo advogado Daniel Bialski. Segundo o texto, a defesa "sempre acreditou fielmente na inocência" do lateral.
O episódio ocorreu no jogo do dia 14 de maio, válida pela sexta rodada do Brasileirão 2022. Aos 31 minutos do segundo tempo, o meia Edenilson informou ao árbitro que o atleta adversário havia dito a ele as seguintes palavras: "fo**-se macaco".
Âmbito esportivo x âmbito judicial
A absolvição no STJD não libera o jogador de seguir respondendo criminalmente pelo caso - Rafael Ramos virou réu no final de agosto. A denúncia foi apresentada pelo Ministério Público e recebida juiz Marco Aurélio Martins Xavier, da 14ª Vara Criminal e Juizado do Torcedor e Grandes Eventos do Foro Central da Comarca de Porto Alegre.
Pouco antes, em junho, o português já havia sido indiciado pelo mesmo caso pela Polícia Civil. A decisão foi do delegado Roberto Sahagoff, titular da 2ª Delegacia de Polícia Civil de Porto Alegre. O indiciamento aconteceu mesmo após o laudo da perícia oficial definir como inconclusivo o que foi dito por Rafael a Edenilson. Logo após o laudo, o atleta do Internacional se posicionou de maneira forte nas redes sociais.
Além do laudo da perícia, o próprio jogador do Corinthians contratou duas investigações diferentes para avaliar as imagens do caso. O primeiro laudo definiu que o corinthiano não disse "macaco" e o segundo confirmou o parecer do primeiro.