Corinthians S.A.
Opinião de Roberto Piccelli
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O Corinthians tem passado por escândalos recorrentes nos últimos anos: a renovação com jogadores encostados, a contratação inexplicável de atletas medíocres, a expectativa frustradas com jovens jogadores que não são escalados, a tomada da base por empresários, a saída facilitada dos jogadores mais destacados, a manutenção do contrato extremamente lesivo com a Omni, etc. Em todo lado parecem pipocar suspeitas.
Tantos são os problemas, tanta é a desconfiança, mas o processo eleitoral no clube hoje parece não permite esperar grandes mudanças, ao menos, num futuro próximo. O chapão deve acabar em breve, é verdade, mas ainda é pouco para animar o torcedor.
Eu atribuo a infeliz ideia de alguns torcedores de transformar o Corinthians em uma empresa a essa falta de entusiasmo generalizada com a forma como o clube tem sido gerido nos últimos anos. Pensam que essa seria a solução para as nossas deficiências administrativas. Há quem chegue a sugerir até mesmo a abertura do capital em bolsa, o que supostamente traria para o torcedor endinheirado a oportunidade de investir no clube e até de obter, quem sabe, algum retorno financeiro.
O que os mais empolgados com essa ideia parecem não perceber é como a sua adoção subverteria totalmente a essência do Corinthians.
Hoje o clube é, do ponto de vista jurídico, uma associação. Quem é associado detém uma fração ideal do clube e, por conta dessa condição, tem alguns direitos , inclusive o de votar e ser votado, desde que atendidos alguns requisitos formais. Como ninguém tem mais do que um título, cada título representa uma parcela equivalente da associação. O clube é, formalmente, do conjunto dos seus associados.
Se fosse transformado em uma sociedade anônima, os títulos seriam convertidos em ações dessa nova empresa, o Corinthians S.A - o nome já me causa arrepios. Os gestores seriam apontados pelos acionistas majoritários, que, como investidores, apontariam inevitavelmente alguém comprometido com o objetivo de obter lucro para a empresa.
E assim o Corinthians S.A. estaria sujeito às regras do mercado. O torcedor deixaria de ser um simples torcedor para passar a ser um cliente, um consumidor de uma entidade cujo único objetivo seria sempre a geração de retorno financeiro para os seus novos donos. Obviamente, essa mudança não viria sem uma perda de sentido do ato de torcer. O desencanto é inevitável, afinal, se a instituição passa a não mais pertencer à sua torcida, mas a um dono interessado em faturar com ela.
O que importaria seria o lucro, não o compromisso com o significado do Corinthians. Se ficasse comprovado que seria mais rentável alterar a cor do uniforme principal para amarelo-limão, tenha certeza de que o novo padrão cromático já estaria encomendado.
Ao comprar uma camisa do Corinthians S.A., o torcedor não mais estaria ajudando aquele projeto coletivo que começou há anos com trabalhadores humildes do Bom Retiro e se disseminou pelo Brasil. Estaria consumindo um produto de uma marca privada, uma marca de algum dono. Ser Fiel Torcedor não teria mais um significado de apoio a uma paixão. Seria nada mais do que a contrapartida por um espetáculo promovido por algum empresário.
Pior ainda, a qualquer momento, o Corinthians S.A. poderia ser revendido a terceiros sem que nós, meros torcedores, tivéssemos qualquer controle. Um magnata sem nenhum conhecimento daquilo que o clube representou um dia poderia comprar o seu controle se oferecesse um dinheiro razoável. O Milan, por exemplo, depois de passar muito tempo sob o domínio de ninguém menos do que o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, foi vendido agora para um grupo de chineses, como já tinha acontecido com a Inter. Milan e Inter, senhoras e senhores, são agora nada mais que mercadorias.
Na Inglaterra, vista como modelo por muitos dos proponentes dessa ideia, episódios como esses são comuns. O Manchester City e o Chelsea estão nas mãos de pessoas de idoneidade moral questionável e foram adquiridos em bolsa de valores. Os resultados têm aparecido, mas questione a um torcedor tradicional desses clubes se eles ainda representam, para eles, o que representavam.
Há mais: um clube-empresa, como qualquer empresa, pode rapidamente falir se, na busca pela ampliação do lucro, os administradores decidirem correr certos riscos. O Corinthians poderia ser a próxima Varig, o próximo Mappin. Alguém está disposto realmente a conviver com a ameaça de ver seu time de coração desaparecer um dia por conta da ganância desmedida dos seus donos?
Enfim, não sejamos inocentes de acreditar que o Corinthians tem sido gerido unicamente no interesse da torcida e que a sua essência não venha sendo violentada dia após dia por decisões de quem está hoje no comando. Nada, porém, é tão ruim que não possa piorar ainda mais. Dificilmente poderia acontecer algo capaz de superar o desgosto de ver o time do povo passando a ser o time de um milionário qualquer. Seria o fim da linda história da torcida que tem um time.
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.