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Onde tem democracia, tem oposição!
Rafael Castilho

Rafael Castilho é sociólogo, especializado em Política e Relações Internacionais e coordenador do NECO - Núcleo de Estudos do Corinthians. Ele está no Twitter como @Rafael_Castilho.

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Onde tem democracia, tem oposição!

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Onde tem democracia, tem oposição!

Estátua de Sócrates e faixa em homenagem a Democracia Corinthiana na Arena neste domingo

Foto: Daniel Augusto Jr. / Agência Corinthians

Nos estudos realizados pelo Núcleo de Estudos do Corinthians, deparamo-nos com as primeiras atas de reuniões de diretoria. São manuscritos datados dos anos de 1913 a 1917. Ali é possível perceber várias marcas de nascença do nosso amado clube.

Além de se configurar como uma espécie de “certidão de nascimento” do time do povo, pois demonstra o absoluto esforço daqueles trabalhadores em erguer e manter um clube que viesse a representar suas aspirações, frente a todas dificuldades estruturais, além da marca do preconceito, que desde o nosso início, se via por parte “dos demais clubes da sociedade paulistana” e provocava ressentimento entre os nossos, através destes documentos históricos, percebe-se também, um ambiente muito democrático. Bem mais democrático do que o conjunto da sociedade naquele começo de Século XX.

Nas atas vimos como as principais decisões que orientaram as ações dos nossos primeiros anos foram tomadas através do voto. O capitão da equipe de futebol era escolhido pelo voto, o treinador da equipe, decisões cotidianas como a anistia temporária de cobrança aos associados que não conseguiam pagar em dia suas mensalidades.

São interessantes algumas curiosidades. Os votos eram depositados em cédulas improvisadas numa urna, igualmente improvisada, que era a gaveta da mesa de pingue-pongue, esporte muito popular no clube durante aquele período.

O fato é que tivemos mais diversidade de presidentes no Corinthians nos primeiros 35 anos de nossa história, do que nos outros 75 anos restantes. Nesses últimos 75 anos tivemos apenas cinco líderes políticos que, exceto em alguns respiros – controlaram o clube e decidiram o seu destino. Foram eles: Alfredo Ignácio Trindade, Wadih Helu, Vicente Matheus, Alberto Dualib e Andrés Sanchez. Cabe numa mão.

Importante dizer, que os últimos presidentes do Corinthians foram eleitos em eleições livres, com um estatuto relativamente democrático. Algo muito diferente do que ocorreu nos anos de Ditadura Dualib.

Quando dizemos que “tudo é a mesma coisa”, corremos o risco de não avançar nunca. A confusão só interessa aos líderes personalistas que se apresentam como solução drástica, como fórmulas simplificadas que capturam os ressentimentos diversos em favor de mais concentração e acúmulo de poder. Não precisamos de um outro coronel, capitão ou general. Precisamos avançar como instituição.

Dito isso, podemos sim entrar na discussão de como é ainda precária a democracia no Corinthians. Sem dúvidas, chama hoje atenção, o baixo número de votantes na eleição. Não é possível que o presidente do clube mais diverso, popular e original do mundo seja eleito por pouco mais de mil eleitores. O formato em que a adesão do torcedor por sua instituição se dá, apenas pela convivência e inscrição no clube social é, sem dúvidas, absolutamente superado.

As pessoas interessadas em transformar os destinos do Corinthians deveriam apoiar, em caráter de urgência, campanhas para a filiação de novos sócios que em breve estejam aptos a votar. Isso é para ontem. O Corinthiano, preocupado com nosso futuro, que tenha condições financeiras, deveria imediatamente se apresentar na secretaria do clube para se associar.

Mas a verdade é que isso ainda é muito pouco. Instrumentos que favoreçam a participação do torcedor deveriam ser adotados de maneira ambiciosa. Seja a inclusão do Fiel Torcedor, seja a ampliação de benefícios do associado na compra de ingressos, com benefícios, programas e modelos inovadores, poderiam tornar mais atraente a procura por títulos patrimoniais. Também, novos planos de associação que favoreçam a participação de torcedores que vivem distantes da capital paulista, são urgentes. Vivemos na era da informação. A gigantesca legião de torcedores que o Corinthians tem, é um ativo importantíssimo. As pessoas se reúnem por redes, o espaço geográfico é absolutamente relativizado nos dias de hoje.

Não se pode esquecer também que o papel inclusivo que tem o Corinthians. Temos que favorecer ao máximo a participação das camadas mais populares que só consegue ver o clube pelo lado de fora.

O Corinthians está reduzido a um curral eleitoral. Tudo muito pequeno e tacanho se comparado a potência, a pluralidade, a diversidade e a riqueza humana que é a nossa imensa torcida.

Vivemos hoje a maior crise financeira de nossa história. O Corinthians está à beira do colapso e, é bom que se diga, esse não é discurso de quem deseja faturar politicamente. Qualquer corinthiano que ama seu clube, deveria estar muito preocupado com essa situação. Nossa maior fonte de riqueza, em todos os aspectos, em qualquer estratégia de negócios, vem de nossa torcida. Hoje fechamos as portas justamente para quem poderia carregar o Corinthians em seus braços.

Mesmo com um universo tão pequeno de associados, frente à gigantesca torcida que temos, a prática política do Corinthians insiste em inibir o contraditório. Insiste em tentar sufocar o que pode significar alternativa. Insiste em lidar mal com a noção de oposição.

Verdade seja dita, isso não ocorre simplesmente porque a situação é má e persegue seus adversários. Não! O problema é bem maior. Não são poucos aqueles que compõem fileiras de oposição e na curva seguinte procura um espaço de poder na situação.

Minha intenção aqui não é julgar ninguém. Isso não ocorre simplesmente porque as pessoas sejam más. Acontece que o Corinthians passou tantos anos sob regimes autoritários que passaram a naturalizar essa noção de curral eleitoral. Muitos corinthianos que iniciam sua participação política no clube, no fundo querem colaborar em alguma frente para a construção do Corinthians.

Sim, o leitor já deve estar perguntando a si mesmo: “você não vai falar dos privilégios? ”. Sim, muitos se deliciam com o Sport Club de Vantagens que dá acessos e libera catracas. Mas existe também quem queira participar da vida do Corinthians, mas não percebe que, muitas vezes, o melhor que poderia fazer para ajudar o nosso amado clube seria compor as fileiras de oposição.

Como nossa cultura democrática ainda é precária, muitas confusões se formam em torno da noção do que vem a ser oposição.

Ser oposição não é interditar as ações da gestão atual. Ser oposição não é torcer contra o Corinthians, se alimentando do quanto pior melhor. Ser oposição não é fechar os olhos para as coisas boas que ocorrem. Ser oposição não é ser golpista. Ser oposição não é ser dono da verdade.

Mas ser oposição é ser oposição. Não é fazer de conta. Não é ser complacente. Não é jogar para a torcida.

Ser oposição é garantir o equilíbrio de poder. É a garantia que ninguém que esteja no exercício do cargo sinta-se em condições de tratar o que é de todos os Corinthianos como algo de interesse de muito poucos. Ser oposição é ser o contraponto, é ajudar quem governa a crescer, a não dormir no ponto, é a crítica que alimenta o processo dialético. Ser oposição é fiscalizar.

Para o bom governante, quem ajuda a fiscalizar não pode ser considerado inimigo. Ser oposição é ser alternativa de poder. Quem pode viver ou crescer sem alternativas? Ser oposição é significar renovação, não só por parte de quem se soma a oposição, mas até para provocar crescimento em quem é situação.

Em qualquer ambiente democrático, a existência de oposição é algo mais do que natural e salutar para o desenvolvimento institucional.

Mas no Corinthians, onde vivemos tantos anos com “chapa única”, a existência de forças de oposição ainda é tratada de maneira estranha.

O que mais dói é ouvir que quem faz oposição está torcendo contra o Corinthians. Que torce para as coisas darem errado. Dizer isso é equivalente ao “Ame-o, ou deixe-o”. É condenar a um exílio moral quem não concorda com a situação. É o que ocorre nos regimes mais detestáveis.

Em outras palavras, oposição é democracia. Não existe democracia onde não existe oposição.

Não haverá salvador da pátria para carregar o Corinthians pelos braços. Nosso clube nunca teve dono. Nosso clube não foi fundado por nenhum patrono, mas por um grupo de operários.

Só haverá futuro digno para o Corinthians quando o corinthiano carregar seu clube pelos braços.

Ao longo dos anos, vimos grades feitos de nossa torcida que carregou o time nos momentos mais difíceis e levou o Corinthians a todas as glórias que um clube pode ter.

Mas agora, o grande salto será a nossa torcida, para além do jogo jogado nas arquibancadas, participar da vida política de seu clube. Cobrar nos estádios, no Centro de Treinamento, no Aeroporto sempre foi importante. A cobrança é parte integrante do que é o Corinthians.

Porém, necessário se faz que tenhamos corinthianos e corinthianas que amam nosso time, que se preocupam com nosso futuro, participando e ajudando a decidir o nosso destino dentro do Parque São Jorge, de maneira absolutamente legítima e institucional, no terreno fértil da DEMOCRACIA!

Veja mais em: Democracia Corinthiana.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

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Por Rafael Castilho

Rafael Castilho é sociólogo, especializado em Política e Relações Internacionais e coordenador do NECO - Núcleo de Estudos do Corinthians. Ele está no Twitter como @Rafael_Castilho.

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