Homenagem ao Silvio Luiz
Opinião de Rafael Castilho
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Aprendi a gostar de futebol ouvindo a voz do Silvio Luiz.
No que diz respeito ao Corinthians, quem me ensinou a amá-lo foi Deus. Não somos corinthianos pela genética, nos constituímos como tal de maneira espiritual. Quando nesse mundo chegamos já estamos fadados a chorar e a sorrir pelo Coringão. A gente já nasce assim.
Mas as minhas primeiras memórias felizes no futebol estão mentalmente associadas à voz do Silvio Luiz.
O primeiro passo para que a gente goste de alguma coisa, é sentir prazer por ela. Quando a gente se diverte com algo, não precisa fazer força para querer mais. A gente passa a se interessar naturalmente.
Sendo assim, desde muito menino, comecei a curtir o futebol porque o Silvio Luiz me ajudou a entender o futebol. Suas frases e bordões não eram espécies de memes pré-modernos. Evidente que existia uma intenção de dar identidade e marcar a locução do narrador, mas também traziam consigo algo informativo. Eram recursos poderosos de comunicação. Na nossa mente, a gente ilustrava os bordões genialmente simples e poderosos. Mas entendia de uma forma muito interessante o sentido e a intensidade das coisas.
Quando ele dizia que a bola entrara “no gogó da ema”, eu entendia subitamente que era num espaço milimétrico, inalcançável para o goleiro. Quando a bola batia “no paaaaaaau”, eu entendia a constituição física do gol. Sem ele precisar filosofar, eu compreendi que a diferença entre a glória máxima e a decepção suprema poderia estar tragicamente limitada a precariedade de três pedaços de pau (ou de ferro). Percebi que assim funcionava caoticamente o universo em seus diferentes aspectos. Muito do que ocorre na vida é incidental ou acidental e nossa existência é absolutamente caótica.
“Manda o sapato daí”. Pra criança, isso era ilustrativo demais. Não precisava explicar mais nada. Chuta daí mesmo, bate forte. “Minha nossa senhora”, era uma interjeição, bem mais do que um bordão. Quando ele gritava “olho no lance” eu aprendia a prestar atenção no jogo porque o gol podia sair a qualquer momento.
Ouço a voz do Silvio e fecho os olhos. Consigo voltar no tempo e me ver ao lado do meu pai sentado no sofá. Lembro de como os móveis da sala estavam postos. Lembro da televisão Telefunken. Lembro do meu corpo ainda pequeno deitado e apoiado no colo do meu pai. Lembro que a gente ria juntos. Era uma diversão de pai e filho. Era um momento de paz e amor em sua plenitude. Eu era muito feliz ali sentindo o cheiro do meu pai. A felicidade ali estava.
Lembro que a televisão ficava no Canal 7. Quando a transmissão ia começar tocava uma música que iniciava assim: “Entrando em campo e dominando a bola”.
Quando um jogador caia machucado, subia uma música da Gal Costa “Dessa vez doeu demais”. Era simples e singelo. Mas eu gargalhava alto.
“Eeeeeeeeu vi! ”. Não precisava de VAR nem de comentarista de arbitragem. Quando ele dizia “Eu vi! ” tava meio que resolvido.
Quando o Brasil tomava um gol ele ficava em silêncio. Logo em seguida dizia: “Ih, deu Zebra”.
Quando saía o gol era algo assim: “ehhhhhhh mais um gol brasileiro meu povo! Encha o peito, solte o grito da garganta e confira comigo no replay. CA, CA, CA, CASAGRANDE! É dele a camisa número 9. Quando eram jogados vinte e três minutos do segundo tempo”.
Quer comunicador mais poderoso do que esse? A gente lembra de tudo.
Meu primeiro ídolo foi o Sócrates. Mas eu era o Casagrande. Imitava o Casagrande. Eu acreditava ser o Casagrande. Meu destino estaria fadado a ser o camisa 9 do Corinthians quando o Casagrande parasse de jogar. Ficava bravo (e fico até hoje) quando alguém falava mal do Casagrande.
E aqueles jogos todos do período da Democracia Corinthiana? “Ehhhhh dooooooo CORINTHIANS!!!!” Eu era bem criança, mas assistia a todos os jogos na Record ao lado do meu pai. Depois o Silvio foi para a (bola chutada no céu, longe do gol) “BANDEIRANTES, o canal do esporte”. Nos anos 90, desde a primeira conquista do Campeonato Brasileiro. Neto, Marcelinho, sempre com o Silvio Luiz.
Lembro da final do Campeonato Paulista de 1995. Alguém instalou um telão, quando isso era uma novidade. Deixaram sintonizado na Globo. Uma galera, na qual eu estava incluído, começou a gritar: Bandeirantes! Bandeirantes! Era para deixar no Silvio Luiz que, ao nosso juízo, trazia mais sorte. A pressão foi tão gigantesca que eles mudaram de canal. O Corinthians ganhou, obviamente.
A vida era mais simples. Tudo era mais simples. A narração do Silvio Luiz era simples e, justamente por isso, a mais genial de todas.
Eu até poderia dizer que fico triste com a morte do Silvio Luiz. Mas o cara morreu fazendo o que amava. Ele não morreu, apenas terminou a existência física.
“Acerte o seu aí que eu arredondo o meu aqui”.
E acho que isso tem sido o mais difícil para nós. As pessoas que estão terminando. Indo desse mundo e junto se vai um pedaço da nossa infância. Das coisas que aprendemos a amar e passam agora a existir apenas na nossa memória.
Eu agradeço muito ao Silvio Luiz por ter alimentado muito a minha imaginação, ter me divertido tanto e ter me aproximado tanto e tão cedo ao Corinthians. Pois em frente à televisão, assistindo ao meu coringão por todos esses anos, percebi que viver é muito bom e que a felicidade faz todo o sentido.
“Pelas barbas do profeta”.
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.