Comemorar o Paulista de 2017 é um dever de todo corinthiano
Opinião de Rafael Castilho
193 mil visualizações 130 comentários Comunicar erro
O Zé Maria bateu a falta, mandando a bola para a área. Era pra ser o Vaguinho. Era pra ser o Wladimir. Eram pra ser tantos nos tantos anos que se passaram antes daquele 13 de outubro de 1977.
Mas as bolas não entravam nos eternos bates e rebates. Nas trombadas que o país dava desde o campeonato em que o Corinthians ganhou o troféu do quarto centenário da cidade, em 1954. Esse foi o ano do suicídio de Getúlio. A final contra o Palmeiras foi no ano de 1955, mas tanta coisa aconteceu enquanto os anos se esvaiam. O Brasil entre suicídios, renúncias e golpes ia mudando de cara. O mundo também ia mudando, mas a bola insistia em não entrar para fazer o Corinthians campeão.
Quantos viveram suas vidas, deixaram esse plano terreno e não viam o Corinthians ser campeão...
A cidade crescia. Era a que mais crescia no mundo naquele período. Um amontoado de culturas, idiomas, costumes e sotaques. As ruas dos subúrbios e periferias se faziam como gambiarras. Um vivendo em cima do outro. Tanta gente tentando a sorte na cidade de São Paulo, sonhando com um futuro melhor em meio as rupturas e ditaduras. Milhões de pessoas amontoadas sonhando com suas vitórias, mas acordando com a realidade. Tentando suas conquistas, mas engolindo juntos os seus fracassos. Tanta gente alimentando ilusões, mas aprendendo também a conviver com decepções, acostumando-se a dimensionar expectativas. Não havia outro time pra se torcer. O Corinthians vivia o jogo como a gente joga a vida da gente.
Naquele período em que a torcida se multiplicava e crescia a cada necessidade de superação, o elemento que unia milhões de seres humanos ao Corinthians era a identidade.
É estúpido quem diz que o título de 1977 foi um "paulistinha". Absolutamente ignorante. Hoje, quando alguém vai ao litoral de São Paulo, sequer diz que vai viajar. Diz logo que está indo à praia. Quarenta anos atrás as distâncias eram muito maiores. Para quem vivia no estado de São Paulo, o mundo era isso aqui. A felicidade não custava tão caro. As pessoas precisavam de menos.
Depois de trancos e barrancos, a bola foi quicando até o pé direito do Basílio. Ele, depois de ser ungido por Deus. Depois da profetização de Osvaldo Brandão na noite anterior. Depois de tanto sofrimento da nossa gente corinthiana. Depois de tudo, ele mandou a bola para o fundo do gol. Foi gol! Puta que pariu, foi gol! Gritos, choros, abraços. O grito sufocado de um povo, como disse o Osmar Santos em sua narração histórica. Foi gol, minha gente. Foi tão sofrido. Sem dúvida, o gol mais importante e incrível da história do futebol mundial de todos os tempos. Quantas gerações já assistiram na televisão, no cinema ou no YouTube e choraram como se estivessem dentro do Morumbi naquele dia.
Tanta coisa boa se passou com o Corinthians depois daquele gol. A gente nem sabe mais o que é sofrimento.
O mundo mudou também. Produzimos outro tipo de ser humano. Tudo que a gente vê a gente quer. Na hora. Sem esperar.
Muitas vezes a torcida se acusa. Um se acha mais corinthiano do que o outro. A verdade, é que no mundo de hoje todo mundo quer fazer prevalecer o seu ponto de vista. Ninguém aceita as diferenças. Ninguém respeita ou tenta aprender com o próximo. Fica fácil para o moleque saradão fazer cara de malvado e muitas vezes nem notar o senhorzinho atrás dele que mal consegue ficar de pé, por causa da dor nas pernas e nas costas que ganhou gloriosamente depois de acompanhar o Timão nos tempos difíceis. Com problemas de saúde por causa das friagens que tomava no peito para ver o Corinthians jogar (e muitas vezes perder) nas noites frias de Pacaembu.
Vivemos no tempo histórico da satisfação instantânea. Do consumismo inveterado. Da ostentação. Da valorização das grifes e marcas que vão além de qualquer vínculo e filiação afetiva. Você vale o que você tem, não o que você é.
Vou dizer uma coisa pra vocês. Toda vez que o Corinthians se tornou arrogante se fodeu! Toda vez que o Corinthians "quis virar o São Paulo" se deu mal.
Pobre é foda. Não adianta querer esnobar que o castigo vem à galope. Pobre não pode jamais se desfazer das coisas que recebe da vida porque dá um azar filho da puta! Acontece que a realidade se impõe.
Eu não disse que o Corinthians vive o jogo como a gente joga a vida da gente? Então... foi justamente nesse momento de restrição que o Corinthians teve que aprender na marra a recuperar sua humildade.
Fomos obrigados a abrir mão de medalhões. Tivemos que buscar nas veias abertas do nosso terrão as peças que não podíamos mais pagar. Acabou o mundo? Não! Foi justamente aí que o Corinthians se fez mais Corinthians.
Há tempos não víamos um time com a cara daquele Corinthians que aprendemos a amar. Um time em que a gente se enxerga nele. Com rostos humildes. Time raçudo e inteligente. Gente que vai pra luta sem subestimar o inimigo, mas sabe sempre o que quer. Esse time tem cara de "Vai Corinthians!", não é badalado. Quem não tinha alma vazou. É justamente na dificuldade que nos fazemos Corinthians!
O momento era difícil. Tudo estava prestes a dar errado. Tivemos que nos desfazer das nossas joias e grifes e, surpresa, foi aí que nos redescobrimos.
Comemorar muito domingo o título contra a Ponte Preta é um dever de todo corinthiano. Voltando a narração do Osmar Santos: "Festa do povo! Hoje tem que ter festa do povo! Hoje a cidade é do povo! Tem que cobrir as ruas com as bandeiras alvinegras! Corinthians, você acima de tudo é a alma desse povo! Doce mistério da vida esse Corinthians".
Celebrar o título no domingo será um gesto insuperável de amor pelo Corinthians. Comemorar novamente um Campeonato Paulista será um gesto que mostrará que a gente nunca esqueceu quem a gente é. Que não esquecemos de onde viemos.
Comemorar o título de 2017 será um gesto de respeito aos corinthianos do passado que lutaram tanto. Que sofreram na pele e na alma todos os revezes e nos trouxeram o Corinthians até aqui. Entregaram, inclusive, um Corinthians maior do que ele já era.
Sair às ruas, vestir a camisa do Corinthians para comemorar o Campeonato Paulista contra a Ponte Preta será uma grande oração. Um gesto que irá nos engrandecer e também nos trará bençãos futuras. Colocará cada coisa no seu lugar. Nos iluminará. Nos dará mais presença de espírito. Nos trará sorte.
Desculpem a sinceridade, mas corinthiano sem humildade não se parece com um corinthiano.
Corinthiano arrogante não entendeu nada o que é o Corinthians. Simplesmente não entendeu.
O Corinthians é parte de nós. Cada um nessa grande comunidade corinthiana sabe como foi duro chegar até aqui. E sabe também que para perder tudo o que conquistou é dois palito.
Vamos acolher o Corinthians num lindo abraço. Vamos saudar o Corinthians que veio do passado para dar um sentido especial na vida da gente.
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.