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Conheça o espetacular Cabeção: um ídolo sobrevivente
Walter Falceta

Walter Falceta Jr. é paulistano, jornalista, neto de Michelle Antonio Falcetta, pintor e músico do Bom Retiro que aderiu ao Time do Povo em 1910. É membro do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO).

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Conheça o espetacular Cabeção: um ídolo sobrevivente

As velhas mãos do herói: incansáveis na defesa do nosso Corinthians

Foto: Walter F. Jr.

No próximo dia 12 de Março, um grupo de torcedores corinthianos promoverá uma bela e justa homenagem ao lendário goleiro Cabeção, Luiz Morais, que compôs o elenco do Timão pela última vez em 1966, há 50 anos.

Cabeção chegou ao infantil do Corinthians com apenas oito anos de idade. Cresceu no Parque São Jorge, mirando-se no exemplo de craques como Teleco, Servílio e Domingos da Guia.

Em 1951, já como arqueiro, foi peça valorosa do esquadrão que quebrou o incômodo jejum na competição estadual, iniciado após o título de 1941. No período em que atuou, foram 330 jogos e muitas glórias, como a conquista do Paulistão do IV Centenário, em 1954.

Dos grandes nomes do esquadrão dos anos 1950, Cabeção é o último sobrevivente. Aos 85 anos, enfrenta sérios problemas de saúde, mas permanece lúcido, simpático e oferece sua prodigiosa memória ao resgate das tradições corinthianas.

Separo algumas valiosas lembranças que, meses atrás, este herói mosqueteiro compartilhou com este colunista e com o radialista Anderson Moraes, também membro do Núcleo de Estudos do Corinthians.

Minha pergunta primeira procurou esclarecer o debate em torno da visão noturna do guarda-metas. Pelo que eu ouvira dos antigos da família, Cabeção tinha sido vítima da maledicência da já atuante mídia anticorinthiana.

Assim, ousei apresentar a pergunta: “Seu Luiz, o senhor tinha realmente algum problema para enxergar à noite?” E ele respondeu, sem titubear.

- Não, Walter, isso aí não faz sentido. Vou contar a história toda. Era um jogo no Pacaembu, de noite (19 de julho de 1951), e estávamos perdendo um amistoso para o Botafogo do Rio, por 0 a 4 (terminaria em 1 a 4). Aí, o Claudio chegou no banco de reservas e disse: "pô, tira lá o Cabeção, que ele não está enxergando de noite". Então, não foi uma coisa dita de forma séria, mas alguns jornalistas estavam ali, ouviram e espalharam a história, como se o Claudio realmente duvidasse da minha visão. Logo depois, já estavam falando sobre isso na rádio. Na verdade, eu tinha um bom desempenho em jogos à noite. O melhor desempenho noturno era justamente o meu. Mas essa história pegou. Depois, eu pedi para o presidente uma consulta com o oftalmologista, para tirar isso a limpo. Fomos lá, fiz o exame e ficou comprovado que eu tinha a visão normal.

Perguntei sobre outra questão relevante para o torcedor: “qual era sua relação com Gylmar, seu parceiro de clube durante anos, considerado por muitos o melhor goleiro que o Brasil já teve?”

- Ah, era muito boa. Um treinava o outro. Não havia problema. O Gylmar gostava de fazer ponte, era elástico, se atirava. Meu forte era o posicionamento. Aprendi lá pelos idos de 1947, com ex-goleiro Jurandir, que chegou a atuar no Corinthians. O Jurandir não se jogava. Ele calculava. Ele dividia mentalmente a área em ângulos. Era uma geometria. Então, ele se posicionava, para interceptar ou para fazer frente ao jogador que fosse concluir. Ele me ensinou que goleiro em pé vale por dois, mas que goleiro deitado está morto. Deitado, o arqueiro não enxerga mais o jogo, não pula mais. Já que este é o assunto, gostaria de falar do Cássio. Ele não tem problema na bola rasteira, apesar da estatura. E, quando cai, ele é ágil, se levanta muito rápido. Consegue voltar logo para sua posição. É um ótimo goleiro.

Em 1954, Cabeção era, para muitos, o melhor goleiro em atividade no país. Ganhou um lugar na Seleção Brasileira que foi disputar a Copa do Mundo na Suíça. Serviu como reserva, mas foi elogiado como um atleta de grupo, sempre disposto a ajudar os colegas. E a pergunta foi inevitável: “por que perdemos aquela disputa, Seu Luiz?”

- Nosso sparring durante todo aquele tempo foi o time amador do Torres Homem, lá do Rio. Treinamos contra eles... Perdemos da Hungria com justiça (2x4), pois o time deles era realmente muito bom. Mas tem um tento deles que é irregular. O jogador estava bebendo água fora do campo. De repente, entrou sem autorização e cruzou a bola que resultou em gol. Mas era um estádio sem alambrado. Era pior que o campo do Juventus, com todo respeito ao grande time da Mooca.

Lembrei-me das histórias relativas ao uso de luvas pelos goleiros. Afirma-se que o primeiro a utilizá-las foi o polêmico Jaguaré, famoso no Vasco, mas que também jogou no Corinthians. Teria sido depois de uma excursão do clube carioca à Europa, em 1929.

A difusão, no entanto, é para alguns obra iniciada por Cabeção. E assim formulamos outra pergunta: “e qual a sua participação no caso das luvas para os arqueiros?”

- Eu estava com a Seleção Brasileira na Tchecoslováquia. Fazia frio demais e as mãos doíam. Acabei comprando um par de luvas, específicas para jogar em clima frio. Depois, comprei outro par na Inglaterra, essas para tempo quente. Uma noite, resolvi jogar de luvas no Pacaembu. E os comentaristas da imprensa todos me criticaram, me arrasaram. Depois, no entanto, uma fábrica de equipamentos esportivos, a Stadium, me chamou. Analisaram o meu material e tentaram fazer algo parecido. Depois, eu até testei aquele modelo, que, a princípio, não me pareceu muito apropriado... Mas é aí que tudo começa.

Como o papel do goleiro é sempre tema de polêmica, arrisquei uma indagação relativa ao mais criticado dos arqueiros do Brasil: “e o Barbosa, ele é o culpado pela derrota da Seleção Brasileira em 1950?”

- De jeito nenhum – disse Cabeção, com olhar compungido. - O Barbosa foi o grande goleiro de seu tempo. Não teve culpa, mas quiseram achar um culpado. O problema naquele lance foi o Bigode, que estava fora de posição. Uma vez, na Praia Grande, conversei com o Barbosa. Ele ainda estava muito magoado. Ficou retraído e chateado com tudo que ocorreu.

Aproveitei para falar do grande ídolo corinthiano da época, Luizinho, o Pequeno Polegar: “Seu Luiz, ele sentou mesmo na bola diante do Luís Villa, em um jogo nos anos 50?”

- Eu joguei aquele jogo e sei exatamente como foi o lance. Naquela ocasião, o gramado estava molhado. Ele era um grande driblador, extraordinário, mas naquele lance ele escorregou. Perdeu o equilíbrio e ficou sobre a bola diante do argentino, que ficou em pé, olhando, esperando que ele se levantasse. Essa é a história real. Depois, veio a lenda.

Para concluir a longa conversa, perguntei sobre a relação dele com o clube. E a resposta veio em tom de tristeza.

- Eu praticamente, vamos dizer assim, nasci no Corinthians, morando pertinho do Parque São Jorge. Joguei lá muitos e muitos anos, desde criança. Sou sócio remido. Trabalhei lá muitos anos e ajudei a revelar goleiros como o Solito, o Solitinho e o Ronaldo Giovanelli, que instruí no início da carreira. Mas não piso lá há uns 30 anos. O Corinthians não valoriza seus antigos jogadores. Eu me senti uma “persona non grata” lá. Só há pouco tempo quiseram botar minhas mãos na calçada da fama. Aceitei a homenagem, mas trouxeram aqui o equipamento. Eu não quis ir lá. Enfim, sou um dos sócios mais antigos do clube, assisto aos jogos, mas no Parque São Jorge eu não vou mais.

* O Meu Timão divulgará em breve todos os detalhes sobre a homenagem a Cabeção. Fique atento.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

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Walter Falceta Jr. é paulistano, jornalista, neto de Michelle Antonio Falcetta, pintor e músico do Bom Retiro que aderiu ao Time do Povo em 1910. É membro do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO).

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