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Tempo de refletir
Rafael Castilho

Rafael Castilho é sociólogo, especializado em Política e Relações Internacionais e coordenador do NECO - Núcleo de Estudos do Corinthians. Ele está no Twitter como @Rafael_Castilho.

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Tempo de refletir

Paulista foi o último título conquistado pelo Corinthians

Foto: Rodrigo Gazzanel /Agência Corinthians

A virada de agosto para setembro é uma madrugada de esperança. O amanhecer de uma nova era.

O Corinthians é um milagre. O produto do sonho de trabalhadores humildes que se tornou realidade. O Corinthians é um movimento social que ganhou vida e sai andando e jogando por aí.

O Corinthians é um sonho, e como tal, se converteu na razão de viver de milhões de pessoas. Sim, porque o sonho não é apenas uma coleção de imagens que passam na nossa cabeça enquanto dormirmos. O sonho é inspiração. O sonho é imaginação. O sonho é um projeto. O sonho é aquilo que gostaríamos de realizar. O sonho é perseguir o impossível!

E assim é o Corinthians. Um sonho que se realizou. Um milagre. Um presente de Deus para o povo. Dá pra imaginar como seria nossa história sem o Corinthians na vida da gente?

E quando eu digo que é um milagre, falo isso porque um clube surgir, crescer e se consagrar, intrometendo-se entre a representatividade da oligarquia, entre os clubes dos poderosos. Sobreviver a todas as tentativas (que não foram poucas) de destruir e quebrar no meio o movimento do Corinthians, chegar até os seus cento e oito anos só pode ser um grande milagre. Até hoje tentam nos destruir. Até hoje não nos aceitam facilmente. Até hoje nos consideram uma insubordinação. Até hoje se desfazem das nossas vitórias, os nossos campeonatos não valeram, nossos títulos foram roubados. Até hoje somos os marginais sem número, os maloqueiros, os baderneiros, a ralé.

Imaginem lá no início! Como deve ter sido?

Contra a história não dá pra brigar. Independente da convicção pessoal de cada um. Quem não reconhece o caráter popular do Corinthians não entendeu nada do Corinthians. Quem não percebe que o Corinthians surge de um movimento de trabalhadores que foi ganhando as massas que se organizavam pra se fazer representar justamente através do Corinthians, deveria parar e refletir um pouco.

O Corinthians foi se fazendo a voz de quem não tinha voz. A vitória de quem só perdia. A representação de quem não se via representado.

O Corinthians nunca foi somente um time de futebol, justamente porque ele não nasceu para isso. O Corinthians nasceu para ser um instrumento de solidariedade, pertencimento e cooperativismo do nosso povo. A Fiel é sempre a maior estrela, pois ela representa o coletivo.

Dá pra perceber isso até hoje. Quem vai aos jogos vê aquela cena linda quando dezenas de jovens carregam em seus ombros em fileira bem organizada as faixas ou os bandeirões das torcidas, que serão colocadas na arquibancada. Dá pra ver também um talento que muitas vezes não é aproveitado no mercado de trabalho, exercendo uma função de liderança dentro da torcida. Organizando uma caravana gigante. Os instrumentos de solidariedade, obrigações e respeito que são estabelecidos sem a necessidade de nenhuma lei formal. Ou no lanche que é dividido entre dois, três ou quatro pessoas numa caravana. Isso é o Corinthians. Da mesma forma que no passado, lá nos primeiros anos do Corinthians, o povão se organizava para bater de porta em porta para fazer uma vaquinha para comprar uma bola, para fazer um jogo de camisas e enfrentar o time dos ricos sem inferioridade. E o povo que ajudava também ia depois ao campo para poder assistir e também cobrar o resultado. Sim, cobrar e acompanhar também faz parte da nossa essência. O Corinthians é isso aí. É o produto de devoção e de amor.

Ora, mas hoje o Corinthians está elitizado. Ora, há quem não entenda mais o Corinthians dessa maneira. Pois é, o Corinthians, como diferentes expressões da cultura popular, foi sim incorporado por essa macroestrutura globalizada. Isso ocorreu por diversos motivos, mas vale destacar que essa foi também uma escolha dos corinthianos, partindo sempre da necessidade de sucesso desportivo.

Lá na primeira ata que se tem notícia, em 1913, já havia uma discussão ferrenha entre os associados e diretores. Em 1915 o Corinthians quase deixou de existir e além do boicote dos grandes clubes da época, estava endividado e discutia-se as escolhas do clube em abandonar o bairro humilde do Bom-Retiro para uma sede luxuosa na Sé. A aquisição de um terreno na Casa Verde. O Corinthians havia até penhorado seus troféus, em especial o do primeiro campeonato Paulista de 1914. O Presidente Ricardo Oliveira diz todo emocionado que estava cansado de ver o Corinthians ser zombado pelos outros clubes que, na incapacidade de vencer o Corinthians dentro do campo, se desfaziam da origem humilde de Corinthians. Então queria que nós tivéssemos uma estrutura a altura dos clubes mais ricos. Quando se lê isso é de emocionar. É a certidão de time do povo do Corinthians.

Como eu disse, não adiantou nada a sede alugada na Praça da Sé, como não adianta a Arena Corinthians financiada. Existem aqueles que nunca irão engolir o Corinthians justamente porque ele não é nenhum edifício. Ele é uma ideia. O Corinthians paira no ar.

Sim, o Corinthians sempre conviveu com esse dilema. Manter sua história, sua raiz popular, de alguma maneira ser insurgente e, por outro lado, uma necessidade que sempre existiu de se modernizar, se institucionalizar, construir novas caras, competir em igualdade. É como se o Corinthians fosse alguém popular e muito espirituoso, mas que sempre precisou comprar um terno desconfortável que não consegue pagar para frequentar uma festa chique.

Diante o conflito entre o popular e o modernizador, me permitam dizer que o Corinthians sempre fez as duas coisas. Em alguns momentos pendendo para um lado. Em outros momentos de sua história pendendo para outro. Sempre estivemos assustados com um desastre eminente.

Eu entendo que não devemos temer. Devemos sim ser vigilantes.

Nada pode justificar tirar o povo dos jogos do Corinthians. Nada pode justificar um pai não conseguir levar o seu filho no estádio. Isso sim é uma grande tragédia. Melhor seria ver o Corinthians jogar na rua do que ver seu povo impedido de acompanhar o time.

Primeiro de setembro é o aniversário do Corinthians. É o natal do Corinthiano. E como tal, é momento de reflexão. A torcida do Corinthians hoje não está triste porque perdeu um jogo ou um campeonato. A torcida está triste porque não é justo o que está se fazendo. Porque está preocupada com o futuro. Porque sabe que estamos indo por um caminho ruim.

Mas a mensagem que fica é que tudo pode parecer grandiosamente opressivo. Já vivemos alguns momentos como esse em nossa história. Mas o Corinthians vive não em seus edifícios e nos contratos dos jogadores. O Corinthians vive e resiste como esse sonho coletivo. Como um ideal. Como um amor que se sente na atmosfera. Porque isso não podem tirar da gente. Podem tentar fazer o que quiser. O Corinthians não está nos gabinetes nem nos acordos comerciais. O Corinthians está na cabeça do nosso povo. Chegou até aqui nesse milagre lindo.

Chegou setembro, acabou agosto. Olho no calendário e vejo 2018. Agosto me lembra o título paulista de 1995. Vencemos o Palmeiras. Tombamos também a Parmalat. Depois de tanto sofrimento e jogos obscuros. Hoje eles ficam reclamando de juiz, veja só.

Lembro como se fosse ontem esse jogo de 1995. O estádio tremia. Fogos, rojões, fumaça, suor, grito, tudo junto. Todo mundo amontoado compartilhando o mesmo espaço físico. Quando eu já chorava, o Marcelinho colocou aquela bola na gaveta. Meu Deus. O choro já estava no caminho, só mudou de sentido. Era um choro de amargura que se converteu num choro de alegria e de alívio. No final do jogo outra bola na gaveta. Foi do Elivelton. Que dia feliz. Saí comemorando na festa de Nossa Senhora Achiropita. Foi divertido.

Faço as contas no calendário e vejo que foi há vinte e três anos. Vinte e três. O mesmo tempo de distância da fila do Corinthians. Até um pouco mais, pois o campeonato de 1954 foi decidido em 1955. Mas veja só o que é o tempo. Parei pra pensar, será que os 23 anos foi tanto tempo assim? Claro que foi. Mas como passou rápido.

Lembro da relação que eu tive com os jogadores desde minha infância. Os via primeiro como gigantes. Super-heróis. Depois passei a ter a mesma idade deles. O fim de carreira. Hoje seria já um ex-atleta. Tanto tempo passou, tantos anos virão e o Corinthians ao meu lado, isso nunca muda.

Sinto mesmo saudades daquele tempo quando o Corinthians era mais simples. Era tão incrível ir a um jogo do Corinthians. Tudo tão solene e fantástico. Sim, tenho nostalgia. Mas foi muito bom ver tudo o que o Corinthians ganhou nessas últimas três décadas. Não foi só o Corinthians que mudou, foi a sociedade. O mundo.

Nem acho que esse nosso estádio lindo seja um problema. Muito pelo contrário. Creio que a questão seja somente de uso e ocupação. Nada mais que isso.

É pena que alguns vejam o Corinthians apenas como uma grife. Que não tenha sensibilidade alguma para perceber onde reside a verdadeira riqueza do Corinthians.

Feliz aniversário, Corinthians. Nós te amamos muito. Obrigado por existir na vida da gente!

Veja mais em: História do Corinthians.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

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Por Rafael Castilho

Rafael Castilho é sociólogo, especializado em Política e Relações Internacionais e coordenador do NECO - Núcleo de Estudos do Corinthians. Ele está no Twitter como @Rafael_Castilho.

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