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Histórias paralelas: de Romero a Ricardinho, de Walter a Wilson Mano
Victor Farinelli

Victor Farinelli é um jornalista brasileiro e corinthiano residente no Chile, colabora como correspondente de meios brasileiros como Opera Mundi, Carta Capital, Revista Fórum e Carta Maior.

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Histórias paralelas: de Romero a Ricardinho, de Walter a Wilson Mano

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Histórias paralelas: de Romero a Ricardinho, de Walter a Wilson Mano

Romero, Ricardinho, Wilson Mano e Walter: histórias paralelas no Corinthians

Foto: Montagem/Meu Timão

As histórias são feitas de começo, meio e fim, e só quando essas três partes já estão prontas é possível analisá-las corretamente. Por isso não levo a sério as tentativas de situar jogadores como Cássio e Ralf (por exemplo) com respeito à sua dimensão no Corinthians, já que são histórias que ainda não terminaram de ser contadas.

Mesmo com os jogadores que já saíram, ou em vias de sair, acho importante contar com mais um fator, que é o distanciamento histórico. A emoção do momento inevitavelmente condiciona a forma como lidamos com os acontecimentos. Ocorre o mesmo nos relacionamentos, quando o calor de uma briga recente nos leva a odiar a pessoa com quem rompemos, até que o tempo atua e permite ter uma noção melhor sobre como ela marcou a vida, fazendo um saldo mais sensato sobre os momentos bons e ruins.

No que diz respeito à relação entre jogadores e torcida, as emoções do momento no Corinthians têm a ver com as iminentes saídas do atacante Romero e do goleiro Walter.

Romero foi um jogador com passagem controversa pelo Corinthians. Chegou como essas promessas que à primeira vista geram desconfiança, teve atuações apagadas nos primeiros anos, mas também – há de se dizer – aguentou muitos meses sem ter oportunidade de mostrar sua evolução com atleta. Foi paciente, e quando as chances apareceram ele não as recusou, fossem quais fossem, colocando-se à disposição pra cumprir qualquer função tática que o time precisasse.

A paciência e a dedicação renderam uma recompensa da torcida que talvez ele não esperava. Creio que não exagero quando digo que Romero foi um dos mais idolatrados pela torcida nos últimos dois anos. O setor mais preguiçoso e cretino do jornalismo esportivo, esse que que vive da polêmica fácil, não perdia tempo em exacerbar suas limitações pra provocar a Fiel e aumentar a audiência, porque sabia que a apaixonada torcida corinthiana sairia em peso a defendê-lo.

Depois de meia década de resiliência, Romero finalmente se tornou ídolo do Corinthians. Mas, no ano seguinte, resolveu sair, e da pior forma. Podia ter feito diferente, quem sabe um acordo pra sair de bem com o clube e a torcida. Mas ele preferiu a briga. Essa pataquada de querer mostrar que continua treinando pode convencer alguns, mas a maioria dos torcedores que o defendeu quando todo mundo o criticava não engole essa versão.

E esse é o ponto principal, porque a traição de Romero não é ao clube, que também não agiu corretamente com ele em muitas ocasiões. Romero trai a torcida, aqueles que estiveram ao lado dele nos momentos ruins e o alçaram dali a condição de inquestionável do grupo. Os que o apoiaram depois daquela montagem calhorda numa matéria da Globo numa bola que ele não dominou. Os garotos que ficavam com raiva ou até choravam quando viam ou escutavam essas críticas, e que iam pro estádio gritar o nome dele porque se identificavam. Porque, em algum momento, ele passou a representar esse corinthiano que sente não ser destacado como merece, mas que insiste em buscar da chance de mostrar o seu valor. Já são mais de três meses em que Romero não dá uma entrevista (ao menos no Brasil, no Paraguai é outra história), e não tem que fazê-lo pra Globo ou pro resto da imprensa cretina, mas sim dar uma satisfação a quem o defendeu. E existe, entre os canalhas, os meios que trabalham corretamente, e onde ele poderá ao menos explicar pro torcedor as razões sobre a sua postura e a sua versão dos fatos.

Mas como disse, esta é a emoção do momento. Só o distanciamento histórico dirá qual será a lembrança que a torcida terá da passagem de Romero pelo Coringão.

Contudo, analisando alguns aspectos dessa história, vejo algumas semelhanças com uma outra história, de um nome que também começava com R

R de Ricardinho, meia cerebral, brilhante, com uma visão de jogo incrível – tanta que não é surpresa ele ter se tornado um bom comentarista hoje em dia. Fez parte de elencos históricos, jogando ao lado de outras feras como Marcelinho, Vampeta, Gamarra, Rincón, Dida, Edilson Capetinha, Luizão, Fábio Luciano e Gil. Tantos craques que às vezes, entre todos estes, ele era menos valorizado do que deveria.

Não sei se isso chegou a incomodá-lo alguma vez. Ninguém questionava o seu talento, mas, assim como Romero, ele estava longe de ser o mais badalado do time. Foi o que chegou ao clube com menos cartaz, teve que lapidar o seu lugar, e muitas vezes foi obrigado a esquentar banco – quando o time usava uma formação mais defensiva, era sempre ele o sacrificado. Não seria estranho se pensasse que merecia mais reconhecimento.

Surpreendentemente, depois de uma briga aberta com Marcelinho – que, dessa geração de grandes ídolos, certamente foi o mais amado de todos –, grande parte da torcida ficou do seu lado, e o Pé-de-Anjo acabou saindo do clube. Nesse momento, se alçou como ídolo principal do time, e foi pra Copa de 2002 graças a ter aproveitado essa condição pra liderar o Corinthians em um primeiro semestre perfeito naquele ano. Voltou de Coreia/Japão como campeão do mundo, e com caminho aberto pra se tornar ídolo histórico do clube. Foi nessa hora que decidiu sair, e ainda por cima prum clube rival.

Nesse caso, o distanciamento histórico já aconteceu, e a maioria dos torcedores que conheço lembra do Ricardinho como um cara que jogou muito pelo Timão, mas não como alguém de quem se sente carinho. Não significa que vai acontecer o mesmo com o Romero, que ainda pode escrever os últimos capítulos da sua saga no clube, e de repente mudar o final e a forma como será recordado – pra que se enalteça o realizado até 2018, e não os lamentáveis três meses deste ano –, mas não deixa de ser um parâmetro de comparação.

Não tão diferente é o caso do Walter, um goleiro titular que nós temos na reserva do Corinthians desde 2013.

Walter é um dos maiores luxos que eu já vi o Corinthians ter em seu elenco. Um goleiro reserva do mesmo nível altíssimo do titular, que esbanja segurança, agilidade, inteligência e também uma grande capacidade de pegar pênaltis. Por mais que o Cássio seja um dos melhores goleiros do Brasil há muito tempo, a Fiel sempre está tranquila se acontece algo com ele, lesão ou suspensão, porque entra o Waltão e é certeza que vai manter mesma tranquilidade debaixo das traves – já ouvi uma amiga dizer que o problema do Coringão é não ter 11 walters, um pra cada posição.

Poderia ter escolhido outra coisa pra sua carreira. Talvez tentar algo no exterior, ou ser titular de qualquer time do Brasil. E certamente seria titular do Corinthians se fosse outro o concorrente pela posição. Esta foi uma das décadas em que menos tivemos preocupação com goleiros, e creio que o distanciamento histórico permitirá que comparemos este período de Cássio e Walter com aquele em que tivemos Gylmar e Cabeção, dois goleiros que também marcaram época no clube como contemporâneos.

Sem conhecer ao certo a situação, penso que a decisão de não renovar com o Walter pode ter dois sentidos. Um deles é dar mais espaço aos guarda-metas jovens da base – especialmente o Caíque, que tem um potencial enorme pra ser o substituto natural do Cássio dentro de alguns anos. O outro é dar também a chance do cara se consagrar em outro clube e virar ídolo. Desde que não seja um rival, pra onde for, que seja feliz. Ele merece e tenho certeza que muitos corinthianos torcerão por ele.

Comparando novamente com a história, volto a lembrar de outra semelhante, e de um nome que também começava com W.

W de Wilson Mano, jogador sempre recordado pelo fato de que ninguém recorda a sua verdadeira posição. Mano jogou de volante, meia ofensivo, zagueiro, lateral (se bobear nas duas), ponta (também nas duas) e talvez tenha quebrado algum galho de goleiro numa expulsão ou lesão do Ronaldo, e não estou lembrando ao certo.

Sua disposição pra atuar onde o time precisasse, mesmo longe de sua posição original (qual era mesmo?), poderia ser associada ao caso do Romero, mas eu prefiro compará-lo ao Walter, e não só pelo fato de que ambos são formados pelo XV de Jaú.

A questão é que o Mano poucas vezes foi considerado um titular de verdade do Corinthians. O acúmulo de jogos nessa condição foi mais pela necessidade, pois a verdade é que os técnicos da época o usavam como coringa quando faltava alguém especializado numa determinada posição, e não porque era o nome preferido em alguma delas.

Apesar jogar bastante dentro dessa rotatividade, Wilson Mano também ficou muito tempo na reserva, e sempre estava pronto pra entrar em campo e manter o nível do titular da posição (qualquer que fosse a posição). Era como um Walter jogando na linha – e, claro, jogou muito mais que o goleiro, porque tinha dez opções nas que poderia entrar.

Essa dedicação ao clube marcou sua carreira. Quando veio uma proposta pra jogar no Japão, a torcida entendeu como um reconhecimento merecido a um atleta que entregou tudo sem colocar seu ego na frente. Com o tempo, ficou pro Wilson Mano o sentimento de carinho expressado até hoje por grande parte da Fiel.

Contei quatro histórias diferentes aqui. Duas que já estão escritas há tempos, e outras duas que estão por terminar, mas ainda esperam um gran finale, ou talvez não tanto.

No fundo, eu gostaria (e creio que a maioria da torcida também) que ambos, Romero e Walter, fossem despedidos pelo clube e pela torcida com homenagens, inclusive em campo, com o reconhecimento pelo que realizaram e conquistaram nestes anos. Isso também depende do que o clube pensa em fazer em cada caso, mas também deles e de suas decisões nas próximas semanas.

Se pudéssemos viajar no tempo e perguntar ao Walter e ao Romero de daqui a 20 anos o que eles preferem, creio que escolherão a opção que os permita ser lembrados com carinho pelas dezenas de milhões de corinthianas e corinthianos. E creio que o goleiro creio que já está nesse caminho. Espero que o atacante prefira isso também.

Veja mais em: Ex-jogadores do Corinthians, Romero e Walter.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

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Victor Farinelli é um jornalista brasileiro e corinthiano residente no Chile, colabora como correspondente de meios brasileiros como Opera Mundi, Carta Capital, Revista Fórum e Carta Maior.

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