Como acabar de vez com a violência no futebol?
Opinião de Walter Falceta
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Dias atrás, iniciou-se nesta coluna uma polêmica em torno do tema. O motivo: o episódio envolvendo a torcida de La U na Arena Corinthians e minha análise sobre as razões estruturais do comportamento feroz e agressivo de parte dos torcedores.
Antes de trabalhar com os magníficos exemplos de torcedores do Atlético Nacional, da Colômbia, e dos próprios corinthianos, vale repassar o conceito.
Concordo com aqueles que consideram a força coercitiva da lei absolutamente despreparada para lidar com os amantes do esporte.
Não se alimenta aqui qualquer tipo de preconceito contra os trabalhadores públicos da área de segurança, muitas vezes mal remunerados, expostos a inúmeros perigos no exercício de suas funções.
Por mais bem-intencionados que sejam, no entanto, reproduzem nas praças esportivas as filosofias e práticas ultrapassadas que lhes são ensinadas nas corporações.
O resultado é conhecido. Frequentemente, a atividade de proteção, do indivíduo e do patrimônio, gera desconforto, tensão e acaba estimulando o que se pretende evitar: a própria violência.
Evidentemente, estão mais predispostos à reação aquelas porções da multidão que, no cotidiano, vivenciam o abandono do Estado, a negação de direitos e a exclusão social.
As medidas proibitivas e restritivas mostram-se absolutamente inócuas. Não há mastro de bandeira, mas o punho cerrado serve como arma. Não se encontram as torcidas no estádio, mas a contenda mortal ocorre nas estações de trem, nas avenidas e nas quebradas.
Mas o que se pode fazer para mudar esse panorama? Pois bem, muitos brasileiros se comoveram com as atitudes dos torcedores do Atlético Nacional quando do desastre com os atletas da Chapecoense.
No entanto, por descaso da mídia, poucos conhecem os pilares da “cultura de paz” cultivada pela torcida verde e branca de Medellín.
A barra (organizada) Los del Sur tem seus problemas, seus esquentados e mal comportados, como ocorre em todas as multidões. De vez em quando, seus líderes precisam passar um pito ou mesmo expulsar um integrante do grupo.
No entanto, trabalham duro para mudar consciências e estabelecer um padrão de atitude condizente com a civilidade.
Fundada em 1997, a torcida agregou operários, camponeses, funcionários públicos, estudantes e até... gente ligada ao tráfico e a outras modalidades de crime.
Por quê? Porque a ideia era utilizar o futebol para mudar o modo de pensar e agir das pessoas. Los del Sur conversam muito, discutem, até mesmo brigam, mas estão construindo, aos poucos, uma visão de concórdia no mundo do futebol.
Para isso, criaram um centro cultural (aberto a qualquer cidadão) e uma biblioteca, auxiliam estudantes pobres e atuam também em ações educativas nas prisões apinhadas de Medellín.
O coordenador do polo de cultura, Raul Martinez, costuma dizer que o estádio pode ser um lugar onde as pessoas aprendam a dizer não à barbárie.
Segundo ele, a violência em seu país começa por seis milhões de camponeses expulsos de suas terras, pelos milhares de assassinatos praticados por motivos políticos e pelos danos causados pela exclusão social.
“Por isso, não toleramos a ocorrência de uma morte por causa do futebol”, afirma. O projeto “Con La Pelota em La Cabeza” propõe um cultura de compreensão e entendimento, unindo torcedores de diferentes times em atividades conjuntas.
Você pode pensar que esse tipo de iniciativa funciona somente com os estrangeiros. Não é bem assim.
Dá para imaginar, por exemplo, um ex-presidente palmeirense palestrando no Parque São Jorge, tratando de sua paixão futebolística e de política esportiva?
Pois foi o que ocorreu no último dia 6 de Abril, quando o Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO), realizou um evento para celebrar os 100 anos da rivalidade entre Corinthians e Palmeiras.
Diante da plateia, Luiz Gonzaga Belluzo, economista que já dirigiu o rival, debateu com cordialidade e elegância com os corinthianos, tratando do que une e do que separa alvinegros e alviverdes. Um belo exemplo de esforço bem-sucedido na construção de amizade e respeito entre diferentes.
No dia seguinte, o Coletivo Democracia Corinthiana (CDC) fez sua parte neste processo, atuando como co-promotor da "Primeira Copa MSEs de Futebol", no Centro Assistencial Cruz de Malta, na periferia sul de São Paulo.
Do que se tratou? De um torneio esportivo que visou a acolher, integrar e educar jovens que, depois de cometer atos infracionais, se submetem a medidas sócio-educativas.
Trabalhando com meninos corinthianos, mas também são-paulinos, palmeirenses e santistas, o CDC divulga a cultura de paz e semeia a boa consciência cidadã.
O certame deste dia 7 teve a presença de dezenas de garotos da região. Foi vencido pelo MSE Parque Bristol, nos pênaltis, depois de um empate em 2 a 2 com o valoroso MSE Vila Sônia.
Durante a partida, obviamente, ânimos exaltados. Em seguida, churrasco, confraternização, show de rap, grafitagem e palestras sobre civilidade e cidadania. Tudo na paz!
Os bons exemplos estão aí, na Colômbia e na comunidade corinthianista. Violência não se combate com mais violência, mas com empatia e educação.
Da conduta punitiva e repressora das forças coercitivas da lei, só geramos a quarta maior população carcerária do mundo, em rápido crescimento.
Chegou a hora de botar a ignorância de lado, de se semear o entendimento para se colher a bela flor da harmonia.
Que o futebol dê o pontapé inicial.
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.