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Segredos atrás de uma câmera fotográfica
Walter Falceta

Walter Falceta Jr. é paulistano, jornalista, neto de Michelle Antonio Falcetta, pintor e músico do Bom Retiro que aderiu ao Time do Povo em 1910. É membro do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO).

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Segredos atrás de uma câmera fotográfica

Coluna do Walter Falceta

Opinião de Walter Falceta

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Segredos atrás de uma câmera fotográfica

Um nove autêntico: artilheiro das imagens espetaculares

Foto: Ricardo Matsukawa, em 07/06/2011, data em que Ronaldo se despediu no Pacaembu.

No início dos anos 1990, este colunista era coordenador de política e nacional na sucursal de O Globo, em São Paulo. Inquieto, no entanto, alegrava-se de sair para a rua, de buscar a notícia no mundo.

Nessas escapadas, contou muitas vezes com a nobre companhia de Daniel Augusto Jr., um gênio com a câmera na mão, hoje fotógrafo oficial do Corinthians.

Daniel nasceu em 1950, no Tatuapé, na Rua Tuiuti, não muito longe do Parque São Jorge. Como colaborador fixo ou eventual, brilhou a serviço de veículos do comunicação como Folha de S. Paulo, Placar, Veja, Istoé e Lance.

Em 1980, fez parte de uma das primeiras agências fotográficas brasileiras, a F4. Essa cooperativa de freelancers foi pioneira na luta pelo crédito obrigatório nas fotos publicadas e no estabelecimento de uma tabela de preços mínimos pelo trabalho realizado.

Nesta entrevista exclusiva, revelam-se os segredos desse observador privilegiado que, de forma contínua, registra desde 2008 cada movimento do campeão dos campeões.

É o olhar que mistura a paixão do torcedor e a técnica apurada do profissional, o mesmo que já rendeu milhares de registros de imagem e nove belos livros, dedicados a narrar nossas conquistas e também a trajetória de mestre Tite.

Aproveite!

WFJr. – Caro amigo, que momento especial você deixou de clicar? Por que não clicou?

DAJr. – Em 2012, em Yokohama, estávamos no quarto trabalhando, eu e o Guilherme Prado, assessor de imprensa na época, quando alguém bate à porta e pede para entrar: era o Tite querendo “desanuviar a cabeça”. Entrou, sentou no chão, atrás de mim.

Como fazia muito frio, eu tomava vinho tinto e lhe ofereci uma taça. Ele aceitou.

De repente, quando olho acidentalmente para trás, me deparo com uma cena que ficaria na retina sem ser fotografada: o técnico campeão invicto da Libertadores, que logo em seguida seria campeão mundial, sentado no chão, costas na minha cama, pés na cama do Guilherme, com uma taça de vinho nas mãos.

Minha primeira reação foi pegar a câmera para registrar, mas deixei de lado. Na hora, fiquei chateado por não ter feito a foto; hoje, tenho certeza de que agi corretamente. Era um momento tão íntimo, tão particular, que o privilégio ficou gravado somente da retina.

Além disso, tenho um pequeno ressentimento comigo mesmo por não ter estado em 1977, no Morumbi, contra a Ponte Preta. Mas nessa época eu ainda não estava fotografando.

WFJr. - Qual foi o momento mais significativo do Timão que você já fotografou?

DAJr. - Foram vários, como o gol do Tupãzinho, em 1990, no Morumbi, no nosso primeiro Campeonato Brasileiro. Outros: a final da Libertadores, em 2012, contra o Boca Juniors, no Pacaembu; a final do Mundial, em 2012, em Yokohama, no Japão.

Como o torneio continental era a grande fixação de qualquer torcedor corinthiano, e como foi conquistado de maneira invicta, fica como momento mais significativo.

Falando como torcedor, impossível não lembrar dos 4 a 3 em cima dos “porcos”, em 1971. No intervalo do jogo, perdendo por 2 a 0, cheguei a levantar para ir embora. Mas meu amigo Armandinho não me deixou partir e viramos o caminhão de melancia em cima deles.

WFJr. - O que você pode fotografar e o que não pode? Qual o seu código de conduta?

DAJr. - Sou fotógrafo do Corinthians. Nunca na minha imagem o Corinthians está por baixo. Nunca está “apanhando”. Somos sempre altaneiros, confiantes e alegres.

Mas há momentos, como nos vestiários da Ilha do Retiro, na Copa do Brasil de 2008, no Recife, em que executei meu trabalho sem levar a câmera ao olho.

WFJr. - Creio que o árbitro nos prejudicou muito naquela decisão...

DAJr. - Então... Fiz todas as fotos pré-focadas e com grande angular, porque com esta lente o foco é melhor do que com uma meia teleobjetiva. Os jogadores foram fotografados em seu momento de dor e tristeza, sem saber.

Em mais de oitos anos de trabalho, nunca fui proibido de fazer qualquer foto. Mas meu trabalho, obviamente, é sempre produzir a melhor imagem do nosso Corinthians.

Na dúvida, entre divulgar ou não (seja no site, seja nas redes sociais), não divulgo.

WFJr. - Como tem sido acompanhar a trajetória de Tite no Corinthians? Ele é fotogênico? Já reclamou por ser clicado?

DAJr. - Fotografo o técnico Tite desde sua primeira passagem no Corinthians, em 2004. Nunca, em nenhum momento, ele reclamou de alguma imagem; pelo contrário, sempre me elogiou.

Uma única vez, ao final do jogo, nos vestiários, ele me pediu para segurar o disparo. Convidou-me a participar daquele momento, quando os jogadores e atletas se manifestam e, depois, fazem uma oração final.

Percebi que ele queria atenção total para aquele instante e nunca mais fiz fotos durante essas conversas.

WFJr. - Daniel, você está na beirada do campo e nos vestiários. O que você vê que nós, torcedores comuns, não vemos?

DAJr. - Mais perto, vejo a dor, a emoção, a alegria e a lágrima. Muitas pessoas acham, erroneamente, que o lugar onde ficamos é privilegiado.

Sim, é perfeito para o trabalho. Mas é o pior lugar para se assistir ao jogo; nada como a velha e boa arquibancada.

Perguntar para mim se foi ou não impedimento é perda de tempo. Nunca temos essa noção, porque, na maioria da vezes, a nossa preocupação é saber onde está a bola.

O visor da câmera persegue a redonda e ficamos sem a visão todo.

WFJr - Que talentos e técnicas específicas necessita um fotógrafo incumbido de cobrir futebol?

DAJr. - A regra básica para se fotografar qualquer esporte é conhecer suas regras. Conhecendo-as, você se prepara para o momento mágico da disputa. Está pronto para fazer o disparo da câmera.

No caso do futebol, convém ficar atento a todos os detalhes do espetáculo, como às reações dos jogadores em campo, dos reservas, do árbitro e da torcida.

WFJr. - Na beira do gramado, como você combina o ofício com a paixão pelo Corinthians?

DAJr. - Com profissionalismo e concentração. Orgulho-me de nunca ter perdido uma imagem importante por estar desconcentrado ou torcendo para o time.

Na hora procuro fazer a foto; depois, choro, xingo, chuto a placa de publicidade… (Risos)

Uma prova disso é o já citado gol do Tupãzinho, em 1990, quando eu trabalhava para a revista Placar. O jogo virou em 0 a 0 e o Corinthians atacaria para o meu lado no segundo tempo. Concentrado, não saí no intervalo nem conversei com os colegas.

Se o Corinthians fizesse um gol, eu precisaria ter a imagem. Naquele dia, além da concentração e do profissionalismo, creio que uma “nuvenzinha azul” pairava sobre a minha cabeça.

E o resultado é uma das melhores fotos de futebol que eu conheço, seja pelo significado, pela estética ou pelo grau de informação.

WFJr. - Seus livros contam histórias em imagens. Como é feita a edição de fotos para construir a narrativa de uma conquista?

DAJr. - Não começamos o ano fazendo um livro. A cada treino, a cada viagem, a cada jogo, vou editando as melhores imagens, aquelas mais significativas, que ajudem a contar uma história. Se ao final, no último jogo, o time sai vencedor, o livro está pronto.

Quando propus este trabalho para o Corinthians, a intenção era documentar a história que ninguém vê.

No começo, sofri algumas críticas de companheiros de profissão que consideravam – e com certa razão – que fotos de divulgação interferem no mercado de trabalho.

Hoje, no Brasil, tenho orgulho de dizer que somos mais de cinquenta fotógrafos profissionais de clubes, que têm até um grupo de whatsapp para discutir assuntos específicos do nosso trabalho.

E ouso dizer que o Corinthians tem atualmente a melhor cobertura fotográfica entre as grandes agremiações do futebol mundial. Muito orgulho!

WFJr. - Você é um dos grandes repórteres fotográficos do Brasil, com passagens por veículos importantes como O Globo e Folha de S. Paulo. Qual é a missão do fotógrafo na sociedade? No que ele pode ajudá-la a ser melhor?

DAJr. - O repórter fotográfico documenta a realidade, seja ela bonita ou feia, sem retoques, sem subterfúgios, sem maquiagem. É preciso que seja assim. Em caso contrário, não seria reportagem fotográfica, seria fotografia.

A imagem, aliada à palavra, tem o poder de denunciar, elogiar e criticar. É um registro que pode ajudar a melhorar nossa vida.

Na década de 80, Juca Martins e Nair Benedicto, meus ex-sócios na F4, fizeram fotos que foram publicadas no livro “A Questão do Menor”.

Por meio deste trabalho, ajudaram a fechar duas clínicas que praticavam maus-tratos contra internos da Febem.

WFJr. - Fora do esporte, qual foi o seu trabalho mais desafiador?

DAJr. – Creio que produzi grandes reportagens quando trabalhei em O Globo, na sucursal de São Paulo. A cobertura do enterro do Ayrton Senna foi muito marcante. Você também estava lá.

Fui o único repórter do mundo inteiro a entrar na cerimônia de sepultamento, no cemitério do Morumbi. Uma das fotos foi capa da dobra inferior do jornal no dia seguinte.

Em cima, havia uma imagem maravilhosa obtida pelo amigo Cláudio Rossi.

Até hoje, acho que essa foto minha merecia, pelo menos, ter ganho uma menção honrosa no Prêmio Esso de Jornalismo. Furo mundial.

Naquele ano, foi vencedor o Luciano Arruda, do Diário do Nordeste. A foto mostrava um bandido ameaçando com uma faca o cardeal-arcebispo Aloísio Lorscheider, de Fortaleza.

WFJr. - Fotógrafo chora? Pelo que o fotógrafo chora?

DAJr. - Sou chorão. Se perde, se ganha. Emociono-me olhando um Salvador Dali. Chorei no gol do Ronaldo contra o Santos na Vila Belmiro, em 2009. Chorei no Pacaembu, na Libertadores de 2012.

Uma vez, precisava fotografar uma casa paupérrima que ficasse próxima de um bairro de classe média. Minha mãe, que faz trabalhos sociais e assistenciais, me ajudou. Levou-me até uma residência na Vila Matilde.

Quando entrei de câmera na mão, a visão era desesperadora: lixo e animais – porcos, cães, galinhas e gatos – para todo lado, um cheiro insuportável e um senhor sentado na entrada.

Ao começar a documentação, este senhor se vira e pergunta quem havia me autorizado a mostrá-lo naquelas condições subhumanas. Fiz mais duas ou três fotos e sai dali com os olhos cheios de lágrimas.

Assim como tenho vontade de chorar quando vejo o momento pelo qual o Brasil passa. Para mim, não tem remédio. Poderíamos ser o povo mais feliz do mundo se tivéssemos o respeito daqueles que colocamos no poder.

Não sei se todo fotografo chora. Eu não deixo para outro.

WFJr. - Todo mundo se pergunta: por que o fotógrafo não foi ajudar o fulano, em vez de fotografar seu sofrimento? Como você interpreta essa crítica?

DAJr. - Essa é uma questão do tipo “quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?”. Açougueiro corta e vende carne; motorista de ônibus dirige coletivo; cantor canta. Repórter fotográfico documenta. Simples assim.

Nunca me vi em uma situação dessas, em que tivesse de optar. Não sei como reagiria, não sei o que faria primeiro.

Houve uma situação de outra natureza, mas análoga, em que tive que optar. Corria o treino do Corinthians, o rachão. Lá pelas tantas, o juiz apita uma falta contra o time do Ronaldo Fenômeno, e ele não concorda.

Na sacanagem pura, ele dá um bico na redonda, que vem em minha direção. Se pega, me machuca. Pois eu fiquei firme com a câmera, fotografando, e consegui me desviar da trajetória da bola.

Rendeu uma das fotos de futebol mais bonitas que fiz no Corinthians. Naquele momento, optei por fotografar. Claro que não se compara, por exemplo, a salvar ou fotografar alguém que esteja se afogando.

O repórter fotográfico sulafricano Kevin Carter ganhou um Prêmio Pulitzer, em 1994, quando fez uma foto de um abutre espreitando uma criança, no Sudão. Muitos perguntaram se ele deveria ter afastado o abutre, em vez de ter feito a foto.

Esse episódio e esse interessante debate você, leitor do Meu Timão, pode conferir no filme “The Bang Bang Club”.

WFJr. - Voltemos ao Corinthians. Quando e por qual motivo você virou corinthiano? O que significa o Timão para você?

DAJr. - Meu querido pai, Daniel Augusto, colecionava na década de 1950 uma revista chamada Corinthians, editada pelo saudoso Otávio Muniz, pai do Tatá Muniz, nosso companheiro.

A coleção era grande e eu cresci lendo sobre Gylmar, Oreco, Olavo e Valmir; Roberto e Ari; Miranda, Joaquinzinho, Zague, Luizinho e Tite. Ou antes: Gylmar, Homero e Olavo; Idário, Goyano e Roberto; Cláudio, Luizinho, Baltazar, Carbone e Mário (ou Liquinho).

Não podia dar outra coisa, não?! O falecido jornalista Joelmir Beting dizia que explicar a emoção de ser palmeirense é desnecessário ao torcedor do clube e impossível aos adeptos dos adversários.

Pois eu digo que, para o corinthiano, é impossível não ser torcedor do clube de Parque São Jorge; pois o Timão é a coisa mais bonita do mundo. Pronto!

WFJr. - Qual foi sua maior alegria de torcedor? E qual a maior tristeza?

DAJr. - Qualquer título é muita alegria. Tem muito esforço por trás de um título; de toda a comissão técnica, dos jogadores, dos funcionários e do Daniel também, ora.

Então, quando ganha, a comemoração é muito grande. Mas ter vencido a Libertadores de forma invicta em 2012 foi sublime. Para quem dizia que não tínhamos isto, não tínhamos aquilo, hoje temos tudo. Privilégio.

Na contramão, foi triste ter caído para a Série B do Campeonato Brasileiro, em 2007. Não quero passar por aquilo de novo. Nem quero ver algo como os pênaltis defendidos pelo Marcos...

WFJr. - O que mostraria a foto perfeita, capaz de exprimir a essência do corinthianismo?

DAJr. - Não sei. A grande foto sempre está por ser feita. De novo, aquela do gol do Tupãzinho, em 1990, no Morumbi, para mim, é icônica: perfeita na informação e na estética.

Foi feita quando o foco ainda era na mão – nada de autofocus – com filme (slide), no contra-luz. Todas as informações estão lá; o contra-luz confere a estética. O valor histórico é inestimável. Uma grande foto.

WFJr. – Para terminar, aos olhos do fotógrafo, qual é a coisa mais bonita do mundo?

DAJr. – Em casa, nós temos uma brincadeira. Lembra-se da Guerra das Malvinas? Lembra quando a Inglaterra jogou para cima da Argentina uns mísseis chamados Exocet? Esses mísseis destruíam tudo por onde passavam. A partir desse episódio, eu comecei a chamar meus sobrinhos de Exo. Criança também destrói tudo, mas é muito legal. Então, respondo assim: criança. Criança é a coisa mais bonita do mundo.

* Serviço - A primeira edição do livro do “Hexacampeão” se esgotou. Está previsto o lançamento de uma segunda edição em 25/02/2016, provavelmente no Memorial do Corinthians, no Parque São Jorge. Na ocasião, serão homenageados os campeões brasileiros de 1990.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

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Por Walter Falceta

Walter Falceta Jr. é paulistano, jornalista, neto de Michelle Antonio Falcetta, pintor e músico do Bom Retiro que aderiu ao Time do Povo em 1910. É membro do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO).

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