O Fiel Torcedor deve ter direito a voto nas eleições?
Opinião de Roberto Piccelli
5.5 mil visualizações 87 comentários Comunicar erro
O assunto tem sido comentado em meio à reforma do Estatuto e é um dos mais espinhosos dos últimos tempos. Certamente trará muita pressão nos próximos anos sobre o Conselho Deliberativo, à medida que o programa Fiel Torcedor, que já conta quase dez anos, for se consolidando. A pergunta é: deveriam os sócios-torcedores ter reconhecido o direito a voto nas eleições do Corinthians?
Atualmente, só quem vota são os associados comuns, detentores de um título do clube, que normalmente não é dos mais baratos. Os fiéis-torcedores, chamados no Estatuto vigente de “associados do futebol”, por outro lado, são proibidos de votar, pelo que dispõe o artigo 21. Os associados que têm direito a voto hoje, portanto, são uma fração muito singela dos que contribuem mensalmente com o clube, cerca de 10%.
Alguns clubes até com mais sócios-torcedores do que o Corinthians, como é o caso, no Brasil, do Internacional de Porto Alegre, garantem o direito de votar e ser votado aos filiados a programas desse tipo. Grêmio, Santos e Fluminense também reconhecem o mesmo direito aos integrantes dos seus respectivos programas. Outros, como o Palmeiras, estudam reconhecê-lo.
Durante décadas, os clubes brasileiros tiveram os dirigentes escolhidos, direta ou indiretamente, pelos sócios comuns, detentores de títulos. Essa é a regra, aliás, para a maioria das entidades constituídas juridicamente sob a forma de associação, como são constituídos os nossos principais clubes. É como se, nas associações, cada um dos associados fosse detentor de uma pequena parcela da entidade, encarnada no título. São, portanto, sócios daquela entidade. Então, nada mais natural do que a eleição servir, em regra, pra expressar a vontade deles.
Já essa figura mais recente, o sócio-torcedor, apesar do nome, não é um sócio como os outros, porque não detém um título, uma parcela do clube. Ele apenas contribui mensalmente, em um valor muito menor do que aquele pago pelo associado comum, com as despesas do futebol, por amor ou em troca de alguns benefícios.
Até por não envolver a propriedade de um título, a relação do sócio-torcedor com o clube é muito mais instável do que a do associado comum, que tem um vínculo mais formal. Basta ver que número de fiéis-torcedores está sempre oscilando de acordo com o preço dos ingressos e o desempenho do time dentro de campo. O dos sócios comuns tende a seguir uma linha mais ou menos estável, porque o seu vínculo com o Corinthians transcende o futebol.
Ainda assim, as dimensões do programa Fiel Torcedor não permitem mais que que as coisas sejam resolvidas no Corinthians como eram – e por quem eram - há 80 anos. Há um novo - e imenso - volume de corintianos que apoia financeiramente o clube todo mês e merece ter voz. Reconhecer o direito de voto ao fiel-torcedor, sob essa perspectiva, hoje não seria nenhum absurdo. Aliás, não consta, por exemplo, que tenha havido nenhum tipo de problema nos clubes que adotaram esse tipo de abertura. É preciso meditar, porém, sobre a profundidade da eventual extensão do direito a voto, até para não que o associado comum, responsável por ajudar a construir e manter o Corinthians por muitos anos da sua longa história, não saia prejudicado no contraste com a quantidade significativamente maior de sócios-torcedores.
Não podemos negar também que o projeto, ao menos com a atual conformação, é recente e que o quadro de associados ao programa ainda flutua muito. Absorver esse enorme contingente de torcedores, de uma hora para outra, sem algumas cautelas, pode trazer consequências imprevisíveis para um eleitorado que hoje, além de dez vezes menor, é composto por um grupo de pessoas com interesses muito diferentes daqueles do filiado ao Fiel Torcedor. Esses riscos precisam ser pensados e discutidos antes de um passo sem volta. Fatalmente, por exemplo, os novos conselheiros, eleitos pela massa dos fiéis-torcedores, tenderiam a não ter grande preocupação com o clube social - localizado no Parque São Jorge -, que tem a sua importância para os associados comuns.
O mais sensato, por ora, talvez fosse uma mudança gradual, com a disponibilização de consultas periódicas aos fiéis-torcedores em assuntos sensíveis, a eleição de observadores do programa e membros do Conselho Fiscal e, finalmente, um percentual determinado de integrantes do próprio Conselho Deliberativo. Ao mesmo tempo, seria conveniente se pensar no estabelecimento de algumas condições para a participação nas eleições, como um tempo mínimo de filiação ao programa. O Movimento Fiel Torcedor com Direito a Voto, de forma muito razoável, propõe uma quarentena de cinco anos. Já seria um belo controle.
Aos poucos, com sobriedade e com a reflexão de todos, o caminho para uma democracia mais robusta e participativa vai sendo traçado.
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.