Ronaldo não começou nenhuma revolução
Opinião de Roberto Piccelli
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Esfriado o calor da festa do hexa, vale a pena refletir sobre o que declarou Ronaldo à imprensa na Arena depois do jogo contra o São Paulo. Proclamou em alto e bom som ter começado "essa revolução toda"*.
Não é preciso dizer muito sobre Ronaldo Nazário como jogador de futebol. No auge, destoou de praticamente de todos os seus contemporâneos. Merece figurar no panteão dos grandes craques da história do futebol. Mesmo no fim da carreira, no Corinthians, os lampejos do velho brilhantismo encheram os olhos de qualquer torcedor do clube.
Ainda assim, nunca jogou sozinho por aqui. Evito palpitar sobre a parte técnica, mas é consenso que o time de 2009 era muito forte como conjunto. E a verdade é que, depois das saídas de André Santos, Douglas e Cristian, o desempenho da equipe, mesmo com ele em campo, nunca mais foi o mesmo. A saída do trio foi muito mais sentida do que a dele, em 2011. Tanto que só voltamos a ser campeões brasileiros depois da sua aposentadoria, com Liedson no comando do ataque.
Fora dos campos, é claro que o Fenômeno também foi importante para o Corinthians. Com a aposta no nosso projeto, seu reconhecimento internacional ajudou a trazer holofotes e a angariar patrocínios importantes em uma época de recuperação da imagem do clube.
Mas também não tanto. E não foi uma via de mão única.
Quando chegou, o fim da "Era MSI" e a ascensão de uma nova diretoria, com nomes como Rosemberg, já haviam marcado uma ruptura profunda na gestão do clube. Ainda no início de 2008, em plena segundona, havíamos conseguido um patrocínio recorde no país. Na parte técnica, o trabalho de Mano Menezes e Antonio Carlos já vinha se destacando. Com uma equipe recheada de atletas pouco conhecidos, Mano implantou um clima de grupo e soube transmitir ao elenco o espírito da raça corintiana, tão cultuada pela torcida. Desde então já vinha germinado uma empatia duradoura entre o time e as arquibancadas, que estiveram sempre cheias na Série B. Mais à frente, Tite soube como ninguém aprimorar esse trabalho.
Se é verdade, como comentam - sempre de forma genérica -, que Ronaldo deu ideias para a construção do CT, certamente não fez mais do que se esperava de um atleta rodado. Ainda assim, sejamos francos, um trabalho à altura poderia ser esperado até mesmo de um fisiologista experiente - e o valor não chegaria perto dos seus salários. Por outro lado, a grande marca da evolução do clube, a Arena, nem é preciso dizer que era uma ideia ruminada havia anos. Nenhum dos passos para concretizá-la foi dado pelo ex-jogador.
No mais, em momentos críticos mais recentes, Ronaldo nunca esteve presente. Nunca se engajou em debate nenhum, nunca defendeu publicamente nenhum dos nossos interesses. O máximo que fez foi aparecer, por alguma razão, na época das eleições do clube para tomar partido pelo candidato da situação.
Ronaldo, portanto, ao aparecer para reivindicar os méritos da "revolução" do Corinthians - e nisso o acompanha o coro de muitos torcedores -, passa uma imagem arrogante, que desfaz do trabalho de grandes personagens dessa guinada, muitos deles mais discretos e infinitamente mais importantes. Pegou mal ter surgido no jogo em que a taça estava confirmada para roubar a cena. Causou a impressão de que, com a sua fama e o seu carisma, pretendeu dividir as atenções com os verdadeiros heróis dessa conquista tão impressionante: a equipe do CIFUT, a comissão técnica, a torcida sempre presente e, sobretudo, o elenco.
*: Muitos estão dizendo que Ronaldo não teria dito o que disse. Teria dito ter "participado" da "revolução". Não é verdade. Ele disse que "começou essa revolução". Momento infeliz ou não, foi o que ele declarou.
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.